Contrato impede trabalhador de trocar de emprego

23/05/2017


O salário de Keith Bollinger como gerente de fábrica encolheu depois da crise financeira de 2008. Mas, certo dia, ele teve a chance de sair do buraco da recessão: uma empresa rival lhe ofereceu um emprego melhor — e um belo aumento.

 

Quando ele disse sim, desencadeou três anos de uma batalha jurídica que só se encerrou semana passada e acabou com suas economias.

 

“Tentei dar uma vida melhor para minha mulher e meu filho, mas o tiro saiu pela culatra”, disse Bollinger, 53 anos. “Agora tenho cinquenta e poucos anos e estou arruinado”.

 

Bollinger assinara um acordo de não-concorrência, elaborado para impedir que ele deixasse seu emprego e fosse trabalhar para uma empresa concorrente. Faz tempo que esses contratos são comuns entre os altos executivos. Mas agora estão se espalhando rapidamente em meio a empregados como Bollinger, os chamados colarinhos azuis, que fazem o tipo de trabalho manual não-agrícola que o presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu incentivar.

 

O crescimento dos acordos de não-concorrência faz parte de uma mudança mais ampla, pela qual as empresas afirmam não só a propriedade sobre o trabalho, mas também sobre a experiência de trabalho de seus funcionários. Uma pesquisa recente, feita por uma equipe de economistas da Universidade de Maryland, revelou que, em 2014, cerca de 20% dos empregados estavam vinculados a cláusulas de não-concorrência.

 

Advogados trabalhistas dizem que o uso dessas cláusulas se multiplicou. Russell Beck, sócio de uma firma de Boston que realiza um levantamento anual dos litígios de não-concorrência, disse que os dados mais recentes mostram que os processos por não-concorrência e segredos comerciais quase triplicaram desde o ano 2000.

 

“Empresas de todo tipo utilizam essas cláusulas com funcionários de todos os níveis”, ele disse. “É uma verdadeira transformação”.

 

Os advogados trabalhistas sabem disso, mas os trabalhadores muitas vezes ficam surpresos ao saberem que abriram mão de seu direito de ir trabalhar para a concorrência.

 

A longa batalha jurídica de Keith Bollinger é cheia de reviravoltas e inclui fotografias clandestinas, um detetive particular, um telefonema misterioso e vitórias nos tribunais que depois foram revertidas em derrotas nas cortes de apelação.

 

“É o caso mais estranho em que já trabalhei e também o mais estranho de que já ouvi falar”, disse Michael P. Thomas, advogado de Bollinger e sócio da Patrick, Harper & Dixon, em Hickory, Carolina do Norte.

 

Alan B. Krueger, professor de economia em Princeton e antigo membro do Conselho de Assuntos Econômicos do ex-presidente Barack Obama, chegou a descrever os acordos de não-concorrência e outras restrições em contratos de trabalho como elementos de um “mercado manipulado”, em que os empregadores “atuam para prevenir as forças da competição”.

 

Ao dar às empresas imensos poderes para ditar onde e para quem os empregados podem trabalhar, as cláusulas de não-concorrência pegam as maiores vantagens profissionais de uma pessoa — os anos de trabalho duro e as habilidades adquiridas — e as transformam em desvantagens.

 

As cláusulas de não-concorrência são apenas mais um fator a se somar aos inúmeros desafios que complicam a vida dos trabalhadores. A globalização e a automação puseram os americanos para competir com a mão de obra e as máquinas estrangeiras. O aumento dos contratos diretos entre patrão e empregado dificultaram a procura por empregos estáveis. O declínio dos sindicados deixou as negociações mais duras.

 

A tendência de amarrar os trabalhadores com acordos de não-concorrência segue um movimento de décadas que, aos poucos mas com vigor, foi minando sua mobilidade e seu poder de barganha — além de sua participação nos lucros da empresa.

 

Quando um acordo de não-concorrência é cumprido no rigor da lei, o trabalhador pode ser impedido de assumir um novo emprego ou mesmo ser expulso da nova empresa por ordem judicial. Mesmo que isso nunca tenha acontecido, a ameaça já surte um efeito aterrorizante, que reduz os salários de toda a força de trabalho.

 

“As pessoas não conseguem negociar quando a empresa sabe que elas não podem sair”, disse Sandra E. Black, professora de economia em Austin, na Universidade do Texas.

 

Em um artigo de 2011 sobre trabalhadores que haviam assinado acordos de não-concorrência, Matthew Marx, professor da Sloan School of Management, do M.I.T., descobriu que os empregadores geralmente apresentam os contratos de não-concorrência quando os empregados não têm chance de negociar, no primeiro dia de trabalho, por exemplo.

 

As empresas sempre foram donas do trabalho de seus empregados, mas os contratos de hoje muitas vezes cobrem também o conhecimento geral. Além das cláusulas de não-concorrência, existem outros acordos que impedem os empregados de contatarem ou prestarem serviços para clientes com quem trabalharam no passado e até mesmo de tentarem contratar ex-colegas de trabalho.

 

Basta juntar todas essas peças para ver que, de repente, os principais caminhos para se conseguir um emprego melhor — aceitar a promoção da concorrência, ser contratado por um ex-colega — estão fechados.

 

Fonte: Estadão