Refugiados enfrentam crise e barreiras culturais para sobreviver no Brasil

13/06/2017

Viver no Brasil não era um sonho, nem mesmo um plano, mas tornou-se a única opção viável para milhares de refugiados nos últimos anos. Mas desde 2014, além dos entraves bucrocráticos e culturais, eles encontram um novo desafio: empreender em um País em crise, que já conta com 14 milhões de desempregados.

 

Formada em computação na Síria, Razan Suliman, de 27 anos, não encontrou emprego na área aqui no Brasil. Nem mesmo em escolas de idiomas como professora de inglês, função que ela também costumava exercer em Aleppo, cidade síria em que viveu até 2014. Fugindo da guerra, ela e o marido desembarcaram no Brasil após uma tentativa frustrada de morar na França. “Não conseguimos visto para outro lugar e o governo brasileiro abriu as portas para muitos sírios, então era nossa única opção”, afirma.

 

Há três meses, a venda de comida típica começou no boca a boca entre as pessoas que Razan conheceu na cidade. O impulso definitivo foi dado com iniciativas de entidades como Migraflix, Cáritas e o Facebook Brasil, que promovem cursos e oficinas para que refugiados possam começar seus próprios negócios. Após a criação de uma página na rede social, Razan viu a quantidade de pedidos crescer, além de ter um contato mais próximo com os consumidores. 

 

“Assim, eu consigo divulgar meus produtos sem precisar investir dinheiro nisso”, diz. No entanto, a situação financeira de grande parte dos brasileiros ainda é uma dificuldade para quem tenta empreender em um país em crise. “Tem vezes que eu vendo bastante, mas há semanas de vendas bem fracas, as pessoas estão sem dinheiro”, aponta Razan.

 

Essa foi a percepção de Lara Lopes, de 33 anos, vinda de Moçambique. Perseguida por sua homossexualidade, a jovem refugiou-se no Brasil em 2013. De lá para cá trabalhou em funções administrativas, sempre com o objetivo de juntar dinheiro suficiente para abrir a própria empresa.

 

O sucesso que produtos brasileiros fazem em seu país de origem despertaram nela o desejo de enviar para Moçambique artigos esportivos, calçados e acessórios. “No começo, a gente fica sem opção de trabalho mesmo. Com a crise, até quem é daqui está sofrendo para ter emprego. Então, esse processo de conhecer pessoas e conseguir trabalhos para ter renda ocorreu bem aos poucos”, explica.

 

Atualmente, ela aguarda apenas a liberação de documentações para abrir sua empresa. “Demorou, mas está dando certo. Fiz cursos de empreendedorismo para aprender cada vez mais enquanto não tinha dinheiro suficiente”, afirma a jovem, que também esbarrou nas dúvidas para entender como a legislação brasileira funciona. Para o futuro, sua intenção é ter a própria loja. Por enquanto, sua casa é seu escritório. “Nada é rápido, mas o Brasil ainda vai crescer muito e eu quero estar aqui empreendendo para ver isso acontecer.”

 

Iniciativas. Criado há dois anos, o projeto Empoderando Refugiadas, coordenado pela Rede Brasil do Pacto Global, é uma iniciativa entre o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a ONU Mulheres. Por meio de cursos e workshops, a ideia é introduzir essas mulheres no mercado de trabalho brasileiro.

 

“Nós sabemos que é um desafio, tanto para quem procura uma vaga quanto para quem pretende ter seu próprio negócio, dado o momento econômico. Empreendedorismo nem era um assunto que estava na agenda inicial do programa, mas sentimos a necessidade de orientar essas mulheres para que elas possam recomeçar suas vidas”, explica a coordenadora do projeto, Vanessa Tarantini.

 

Desde o ano passado, uma parceria entre o Sebrae e o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao ministério da Justiça, também oferece aulas para refugiados que desejam trabalhar no Brasil.

 

Na avaliação da diretora de Empreendedorismo do Facebook para a América Latina, Camila Fusco, a crise econômica colaborou para que a rede social visse seu número de páginas comerciais crescer. Sem divulgar números exatos, ela aponta que muitas pessoas que perderam o emprego durante os últimos três anos encontraram na rede uma oportunidade sem custo de impulsionar o próprio negócio.

 

“Não posso dizer que foi apenas a crise a responsável por essa mudança, mas um conjunto de fatores. Porém, o importante é que essas pessoas usam nossa rede como um laboratório de testes para seus produtos e conquistam um alcance muito maior do que seguindo modelos tradicionais”, conta.

 

Orgulhoso das cinco estrelas conquistadas na página de seu restaurante Adoomy na rede social, Adam Hamwia, de 32 anos, também tentou outros caminhos antes de abrir o próprio negócio. Vivendo no Brasil desde 2013, o empresário sírio perdeu familiares e amigos durante a guerra em seu país.

 

Aqui, tentou dar aulas de inglês, mas não conseguiu o retorno esperado. O caminho foi usar o dinheiro que tinha guardado para abrir seu restaurante, localizado na Vila Madalena, em São Paulo, no final de 2015.

 

“Não é fácil levar tudo sozinho, eu administro tudo. E nem sempre tem movimento no restaurante porque as pessoas estão sem dinheiro. Mas, passado isso, o Brasil tem tudo para ser um grande país”, diz o sírio, que sonha em abrir filiais de seu estabelecimento de comida árabe em outros pontos da cidade.

 

Fonte: Estadão