Com a seca, Sabesp perde 24% do valor de mercado

23/10/2014

Até pouco tempo uma das queridinhas do mercado financeiro, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) saiu do radar dos analistas com o agravamento da seca na região Sudeste do país. A empresa, que era unanimidade nas listas de ações com recomendação de compra, perdeu este ano quase 1/4 de seu valor de mercado. Além dos riscos financeiros provocados pela seca, o modelo corporativo começa a ser contestado por oposicionistas e pelo Ministério Público Federal. Ontem, a companhia anunciou novos descontos para consumidores que economizarem água, ampliando as perspectivas de queda de receita.

 

“A Sabesp é um bom ativo no longo prazo, mas ações caíram muito e não estamos mais acompanhando de perto. É uma empresa cuja matéria prima está escassa”, diz Alexandre Montes, da Lopes Filho & Associados. O analista não fez projeções sobre resultados, mas espera que os números do terceiro trimestre venham piores do que os do segundo, quando o lucro da companhia caiu 16,4% na comparação com o mesmo período do ano anterior, para R$ 302,4 milhões. “O segundo trimestre ainda não refletiu todo o efeito dos descontos aos consumidores e dos aumentos de custos com a captação do volume morto”, comenta Montes.

 

“Vemos que a relação entre risco e prêmio da ação virou na direção do risco e sugerimos aos investidores que não estejam expostos à Sabesp”, escreveram, em agosto, analistas da Brean Capital, de Nova York, ao rebaixar os papéis para a recomendação de venda. A queda dos volumes do Sistema Cantareira e os maiores custos de captação são apontados como fatores de risco. Ontem, as ações da companhia fecharam o pregão da Bovespa a R$ 19,21, queda de 1,83%. No ano, a perda acumulada é de 24,63%.

 

Controlada pelo estado de São Paulo, a Sabesp tem 47% de suas ações negociadas nas bolsas de São Paulo e Nova York. O modelo de governança é hoje alvo de críticas de opositores ao governo, para quem a empresa deixou de investir para pagar altos dividendos aos acionistas — desde 2004, foram distribuídos quase R$ 4 bilhões, política que ajudou a manter a companhia entre as preferidas dos investidores durante o período. O pagamento aos acionistas foi tema de questionamentos, na semana passada, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Vereadores de São Paulo que investiga as causas da crise hídrica.

 

Parlamentares reclamam que os recursos poderiam ter sido usados em investimentos para ampliar a capacidade de abastecimento. O assunto também faz parte de uma investigação do Ministério Público, que apura a crise hídrica e a falta de medidas para antecipar o problema. A empresa defende que precisa estar próxima do mercado financeiro para ter acesso a recursos. “Temos que manter a saúde financeira para o crédito funcionar”, afirmou, na CPI, Rui Affonso, diretor econômico-financeiro da companhia. 

Affonso defendeu o modelo de governança, alegando que as melhores empresas de saneamento do Brasil são de capital misto. As críticas à privatização geraram preocupação no mercado financeiro durante o processo eleitoral, vencido no primeiro turno pelo governador Geraldo Alckmin. “Pelo menos, afastou o risco político”, comenta um analista, que temia por ingerência na gestão. A empresa tem contratos de abastecimento de água para 364 municípios.

 

No segundo trimestre, com a seca, o volume vendido de água caiu 2,8%. A expectativa é que tenha queda ainda maior nos próximos meses, com a oferta de novos descontos a consumidores que economizarem. Com os novos descontos, os clientes podem ter redução de até 15% em sua conta, dependendo dos volumes poupados.

 

Volume morto só dura até março, diz ANA 

 

O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, afirmou ontem que, se não chover nos próximos meses, a Sabesp terá que tirar água do “lodo” no ano que vem. “Eu acredito que tecnicamente será inviável. Do ponto de vista ambiental, essa água terá problema”, afirmou ele, durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo. “Se a crise se acentuar é bom que a população saiba que não haverá alternativa a não ser ir no lodo”, completou. 

 

Andreu afirmou que São Paulo está diante de uma grave crise, embora uma parcela da população tenha ignorado a gravidade dessa situação e aumentado o consumo da água. Na sua opinião, são necessárias medidas para conter o consumo e controlar a vazão de retirada dos reservatórios que abastecem o estado. “Agora, a quantidade de água que nós temos nos reservatórios é tão pequena que qualquer problema que a gente venha a ter no futuro, a Sabesp não terá controle sobre o sistema de distribuição de água”, explicou. A ANA deixou o grupo de gerenciamento do Sistema Cantareira após desentendimentos com o governo de São Paulo, que teria descumprido acordo sobre restrições de vazões nos reservatórios do sistema. 

 

Ele defendeu mais planejamento e investimentos para garantir o abastecimento de água no estado. “Os reservatórios existentes atualmente são pequenos para garantir o abastecimento em São Paulo. Só não faltou chuva anteriormente porque foram anos de chuva, mas sempre houve esse risco de escassez”, afirmou Andreu, reforçando a necessidade de se construir reservatórios maiores e em locais estratégicos, segundo informou a agência de notícias da Assembleia Legislativa. O encontro foi promovido pela bancada do Partido dos Trabalhadores, que tem usado a crise de abastecimento na campanha eleitoral.

 

O presidente da ANA disse que a única alternativa viável atualmente é reduzir o consumo do sistema, para poupar água nos reservatórios. Mas que, sem declarar racionamento, o governo de São Paulo não pode sobretaxar os consumidores que continuam gastando excessivamente. Sem o racionamento, o governo só tem condições de garantir descontos àqueles que economizarem. Ontem, o nível de armazenamento do Sistema Cantareira chegou a 3,06%, segundo informações da própria Sabesp.

 

Fonte: Brasil Econômico