10% de faltas do aluno em São Paulo já farão escola cobrar pais

02/09/2015

Para evitar o abandono escolar no ensino público em São Paulo, a Secretaria Estadual de Educação decidiu “apertar” as regras sobre o acompanhamento de faltas e reforçar o monitoramento às unidades em pior situação. Resolução aprovada na última semana e publicada no Diário Oficial do Estado obriga as escolas estaduais paulistas a entrar em contato por telefone com os pais dos estudantes quando estes atingirem ausência em 10% das aulas. 

 

Antes, este comunicado era feito ao atingir 20%, número próximo ao total de faltas que causa reprovação automática (25%), o que diminuía o tempo hábil para qualquer intervenção. O contato deve ser feito pelo próprio diretor ou coordenador pedagógico. Além disso, as 30 unidades com maior taxa de faltosos receberão uma força-tarefa de uma equipe da secretaria para tentar “resgatar” os estudantes, além de emitir aviso aos pais sobre as faltas via celular, por SMS. Se o projeto-piloto destas escolas for bem sucedido, mais unidades receberão o mesmo tratamento. 

 

A ação da pasta surge de um esforço do Estado de São Paulo para zerar seu índice de abandono escolar. Como a taxa já é a segunda menor do Brasil - 5% em 2014 no ensino médio, segundo o Ministério da Educação (MEC) -, o número de estudantes que deixam os estudos tem ficado praticamente estável. Em 2007, quando o dado começou a ser divulgado, eram 6%. Já no ensino fundamental o problema é menos impactante: a taxa se manteve em 1,5% no mesmo período. Na rede privada, a média é menor do que 1% em ambas as etapas.

 

No mesmo período, as redes estaduais do Brasil reduziram o abandono no ensino médio em 41%. Pernambuco, que tinha a segunda maior taxa no País em 2007 (24%), é hoje o Estado com menor número de desistências - só 3,5% dos estudantes no ensino médio. O Estado tem apostado nas escolas de tempo integral, que oferecem atividades extracurriculares, e também no maior acompanhamento das famílias dos alunos para manter o índice baixo. 

 

Perfil. Os principais motivos para deixar os estudos vão da necessidade de arrumar emprego logo cedo ao desinteresse pelo formato das disciplinas, longe da realidade do jovem. Um perfil detalhado desses estudantes está sendo produzido pela secretaria e deve ser finalizado no próximo mês.

 

Camila da Silva, de 18 anos, parou de estudar há cerca de um ano e meio para trabalhar. Estava no 3.º ano do ensino médio em uma escola estadual no Jardim Robru, na zona leste, mas não chegava a tempo nas aulas após sair do trabalho, no Brás, região central. “Faltavam só quatro meses para eu terminar o ensino médio. Mas eu largava do trabalho às 18 horas e só chegava na escola às 20 horas. Para poder entrar na segunda aula, tinha de chegar às 19h40. Não queria ter parado, mas estava passando necessidade e minha mãe estava desempregada”. Hoje, ela pensa em retomar os estudos e fazer Pedagogia. 

 

O abandono escolar tem repercussões ao longo da vida. Para trabalhar, a operadora de telemarketing Érica Meira, de 41 anos, deixou a escola quando estava na 5ª série, na década de 1980. Só conseguiu acabar o ensino médio em 2013, depois de idas e vindas dos bancos escolares. “Foi duro entrar na cabeça que eu precisava estudar, a gente fica com autoestima baixa", diz. Hoje, ela faz um cursinho popular e quer estudar Ciências Sociais. “Fazendo curso superior a situação melhora. Por isso estou na luta.”

 

Especialistas aprovam a medida da secretaria, mas dizem que deve ser acompanhada de outras ações. Para o membro do Conselho Nacional de Educação José Fernandes Lima é preciso mostrar ao aluno a importância do estudo. “É uma questão de custo-benefício. Ele assiste às aulas e não consegue ver nada de imediato que possa ajudá-lo na carreira. Sem um propósito, ele tende a desistir.” Priscila Cruz, diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, diz que a escola precisa ser mais atrativa. “Seria importante investir mais em campeonatos esportivos, gincanas culturais. Isto ajuda o aluno a querer ficar mais na escola.”

 

Gargalo educacional. Não é de hoje que os adolescentes que queixam da falta de conexão com a escola. Praticamente nenhuma das redes estaduais do País ouviu seu principal público interessado, os alunos, para a produzir seus documentos curriculares para essa etapa - apontada como um dos gargalos educacionais do País. Essa foi uma das conclusões apontadas em uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas, a pedido da Fundação Victor Civita, e divulgada na semana passada.

 

O estudo analisou 23 documentos curriculares e, dentre eles, dez de forma mais detalhada, com entrevistas com servidores. Formação integral dos jovens, currículo integrado e interdisciplinaridade e contextualização aparecem em todos os documentos. Mas com um problema: praticamente não se apresentam estratégias e caminhos de como efetivar isso. 

 

“Não existe a tentativa de integrar as disciplinas e áreas”, diz a coordenadora do estudo, Gisela Tartuce. “A gente sabe que temos essa necessidade de se aproximar dos jovens, mas nos documentos só aparece a intenção”, explica.

 

Também há pouca uniformidade entre os documentos, até nas terminologias usadas. A pesquisa foi divulgada no momento em que o Ministério da Educação (MEC) trabalha na elaboração da Base Nacional Comum, documento em que vão constar os conteúdos que devem ser ensinados. 

 

Gisela ressalta que as experiências já produzidas pelos Estados devem ser aproveitadas. Para Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco, a base terá uma função importante de estabelecer de forma clara esses conteúdos por séries. “É incontornável construir de forma consistente a Base e, depois, tornar viável a implementação, quando teremos grandes desafios”, diz.

 

Fonte: Estadão