Projeto de lei que pune masturbação em público avança com dúvidas

09/03/2018

A aprovação do projeto de lei que torna crime a prática de importunação sexual pode colaborar para diminuir a impunidade, mas ainda traz lacunas e gera dúvidas sobre em quais casos a medida poderia ser aplicada, segundo especialistas ouvidas pela Folha.

 

O texto torna crime “praticar, na presença de alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia ou a de terceiro”.

 

Aprovada na Câmara na quarta-feira (7), a proposta segue agora para o Senado.

 

Para a relatora do projeto, a deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), a medida poderá enquadrar todos os casos que ficam entre o que o Código Penal define como estupro e a chamada importunação ofensiva ao pudor —tipo de contravenção punível com multa.

 

“A importunação sexual é um meio-termo entre a cantada ousada e o estupro”, define. Segundo ela, caberá ao Judiciário definir os casos que entram na classificação, para a qual passará a ser prevista pena de um a cinco anos de prisão, exceto se constituir crime mais grave, como estupro.

 

Apesar disso, Carneiro afirma que a medida é uma resposta a casos como de Diego Novais, 27, preso após ejacular em uma mulher em um ônibus na avenida Paulista, em São Paulo. Ele foi liberado pouco depois, após um juiz avaliar que não tinha havido estupro, mas sim importunação ofensiva ao pudor. A decisão gerou polêmica.

 

“Aquele caso é o exemplo mais claro. O cara ejacular não está te estuprando, mas está cometendo um ato que te vilipendia como mulher. É a típica importunação sexual, e vai responder a partir de agora com reclusão”, afirma.

 

Para a relatora, a proposta é uma tentativa de “diminuir a cultura do estupro” e acabar com a impunidade. “O que acaba acontecendo na prática? Juiz diz que não é um estupro, e acaba não dando pena nenhuma”, diz ela, para quem a decisão do juiz no caso de Diego foi correta. 

 

“Ele não tinha opção, não tinha um crime para imputar. Agora terá”, avalia.

 

LACUNAS

Apesar de verem uma tentativa de avanço, especialistas na área de direito penal e de gênero ouvidas pela Folha afirmam que o projeto traz lacunas sobre quais outros casos podem ser classificados como importunação sexual —e até mesmo se o caso ocorrido no ônibus na Paulista entraria nessa definição.

 

Para a advogada Marina Ruzzi, da Rede Feminista de Juristas, devem entrar nessa lista também aqueles em que alguém passa a mão na bunda de uma mulher no ônibus, por exemplo. “Esse tipo de caso também entraria. Não é um estupro, mas está mexendo com o meu corpo sem eu autorizar”, diz ela, para quem a proposta aprovada é positiva.

 

“Antes era contravenção penal, que não era nem crime, e não tinha nenhuma pena. Isso gerava impunidade.”

 

Segundo Ruzzi, um caso a ser discutido é se a nova tipificação poderia incluir situações de assédio verbal, em que o agressor importuna a vítima com cantadas mais agressivas. “Entendo que poderia entrar nisso, mas poderia estar mais claro”, avalia.

 

Já na avaliação de Maíra Zapater, professora de direito penal da FGV-SP, o projeto tem falhas e pode manter impunes os casos mais frequentes —inclusive situações como a ocorrida no ônibus na Paulista.

 

“Onde vão as agressões sexuais que acontecem dentro dos ônibus, como as encoxadas, as passadas de mão, as masturbações em que o cara ejacula em cima da vítima? Entendo que há dificuldade de enquadrar nesse artigo.”

 

“E o que é ato libidoso? Está pensando só em masturbação ou em duas pessoas praticando um ato na presença de outro sem ele olhar?”

 

Para Zapater, uma alternativa seria inserir na tipificação do crime de estupro a possibilidade de redução de pena para casos em que não houve relação sexual.

 

“Então se tem relação sexual seja vaginal, anal, oral, mediante violência ou grave ameaça, é estupro com pena máxima. Qualquer outro contato também é estupro, mas com pena reduzida”, diz. “O cara que passa a mão na mulher na rua pode ser caso de estupro com pena reduzida.”

 

Já a advogada criminalista e procuradora de Justiça aposentada, Luiza Nagib Eluf, diz não ver problemas na definição sugerida no projeto. 

 

“Não acho que precisa ser tão detalhista. Ele vai abranger as situações para as quais a lei penal hoje não prevê punição”, afirma. Para ela, a possibilidade de tornar crime a importunação sexual pode ajudar a coibir a prática.

 

Ela diz, porém, que é preciso mais do que apenas alterar a lei para que tais casos deixem de ocorrer. “A lei é boa e deve ser aprovada. Mas outras medidas precisam ser tomadas. Precisamos ter políticas públicas mais incisivas, e levar o debate para as escolas.”

 

Zapater concorda. “Lei penal não previne. Essa redação da lei é para resolver a pena do acusado, mas não a vida das mulheres. É preciso pensar em educação sobre gênero, para que as pessoas aprendam que você não pode tocar no corpo de uma mulher sem ela querer”, avalia.

 

Fonte: Folha de S.Paulo