Como pesquisadores usam os likes do Facebook para influenciar seu pensamento

23/03/2018


Talvez em algum momento dos últimos anos você tenha dito ao Facebook que gostava, por exemplo, de Kim Kardashian West. Quando apertou o botão do polegar erguido na página dela, é provável que o tenha feito porque desejava ver os posts da estrela de reality shows em seu news feed. Talvez você estivesse ciente de que anunciantes poderiam lhe direcionar publicidade com base em seu interesse por ela.

 

O que você provavelmente não sabia é que pesquisadores descobriram como vincular seu interesse por Kardashian West a certos traços de personalidade, por exemplo seu grau de extroversão (alto), o quanto você é consciencioso (mais que a maioria das pessoas), e se você é ou não uma pessoa de mente aberta (nem tanto assim). E quando seu apreço por Kardashian West é combinado a outros interesses que você tenha indicado no Facebook, os pesquisadores acreditam que os algoritmos que desenvolveram têm a capacidade de prever as nuanças de suas opiniões políticas, e de maneira mais precisa do que as pessoas próximas a você.

 

Como reportou o New York Times no sábado, foi isso que motivou a consultoria Cambridge Analytica a recolher dados de mais de 50 milhões de usuários do Facebook, sem o consentimento deles, para criar modelos comportamentais que permitiriam acesso a potenciais eleitores em diversas campanhas políticas.

 

A empresa trabalhou para um comitê de ação política criado por John Bolton, que trabalhou no governo de George W. Bush, e para a campanha presidencial de Donald Trump em 2016. "Localizamos o seu eleitorado, e o inspiramos a agir", a Cambridge Analytica alardeia em seu site.

 

A empresa agora afirma ter destruído os dados de usuários que recolheu no Facebook. Dados brutos revisados pelo New York Times indicam que as informações, ou parte delas, ainda podem existir, De qualquer forma, as informações específicas sobre usuários eram simplesmente um passo na direção de um objetivo, apenas uma etapa em uma construção muito mais ambiciosa: um modelo comportamental poderoso o bastante para manipular as atividades das pessoas e potencialmente influenciar o resultado de eleições.

 

A empresa se baseou em estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade Stanford e do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge para criar seu sistema de modelagem de personalidade. Os estudos tomavam por base dados recolhidos por um app de Facebook chamado myPersonality, um questionário com 100 perguntas desenvolvido pelo Centro de Psicometria para avaliar o quanto uma pessoa tem a mente aberta, é conscienciosa, extrovertida, cordata e neurótica, traços que a comunidade acadêmica identifica como “Ocean”, por suas iniciais em inglês (“Openness”, “Conscientiousness”, “Extraversion”, “Agreeableness e “Neuroticism”).

 

Muitas das pessoas que responderam ao questionário do app myPersonality autorizaram o acesso dele aos seus perfis, e ao de seus amigos, no Facebook - algo que a rede social possibilitava, na época. Isso permitiu que pesquisadores cruzassem dados entre os resultados do questionário —indicadores numéricos sobre os traços Ocean— e os "likes" de um usuário no Facebook, e construíssem um modelo com base nas correlações encontradas entre os dois conjuntos de dados. Com esse modelo, os pesquisadores em muitos casos desenvolveram a capacidade de adivinhar com precisão os traços de personalidade de usuários subsequentes usando apenas sua lista de "likes", sem que eles precisassem responder ao questionário.

 

Um dos estudos que o Centro de Psicometria produziu, publicado em 2015 pela revista científica " Proceedings of the National Academy of Sciences", tomava por base os "likes" e os traços Ocean de mais de 70 mil pessoas que responderam ao questionário do myPersonality no Facebook. O estudo constatou, por exemplo, que uma pessoa que gostava do filme "Clube da Luta" tinha probabilidade muito maior de estar aberta a novas experiências do que uma pessoa que gostasse do programa de TV "American Idol", de acordo com uma avaliação dos dados fornecida ao New York Times por Michal Kosinski, um dos autores do estudo de 2015 e professor de ciência da computação na Universidade Stanford.

 

No estudo, os pesquisadores compararam a precisão de seu modelo a avaliações de personalidade fornecidas por amigos dos respondentes. Os amigos receberam uma versão com 10 perguntas do questionário do myPersonality e foram convidados a responder tomando por base seu conhecimento sobre a personalidade do respondente.

 

Com base em uma amostra de mais de 32 mil participantes, avaliados tanto pelo modelo quanto por um ou dois amigos, os pesquisadores constataram que quando o modelo tomava por base uma amostra de 10 "likes", era mais preciso que a avaliação de um amigo ou colega de apartamento. Com base em uma amostra de 150 "likes", ele era mais preciso que um parente; com base em 300 "likes", sua precisão era maior que a de um cônjuge.

 

O modelo, disseram os pesquisadores, se mostrava especialmente capaz de "prever resultados concretos, como abuso de substâncias, atitudes políticas e saúde física". A eficácia real da abordagem no mundo real, porém, foi colocada em questão.

 

Quando a Cambridge Analytica procurou o Centro de Psicometria pedindo para usar seus modelos, o centro recusou. A empresa então recorreu a Aleksandr Kogan, um professor de psicologia da Universidade de Cambridge familiarizado com o trabalho do centro. Kogan desenvolveu um aplicativo para o Facebook chamado "thisisyourdigitallife", com um questionário semelhante ao do myPersonality, e o usou para recolher dados de mais de 50 milhões de perfis do Facebook. Destes, 30 milhões continham informações suficientes para gerar perfis de personalidade. Apenas 270 mil usuários autorizaram o app de Kogan a acessar seus dados, e todos eles foram informados de que as informações estavam sendo usadas para pesquisas acadêmicas.

 

A Cambridge Analytica então passou a oferecer serviços a clientes políticos e comerciais, como a Mastercard, o clube de beisebol New York Yankees e o Estado-Maior Conjunto das forças armadas norte-americanas.

 

O Facebook agora excluiu a Cambridge Analytica de sua plataforma, e também excluiu Kogan. Aos olhos do Facebook, a infração de Kogan não foi recolher os dados, mas repassá-los à Cambridge Analytica.

 

"Ainda que Kogan tenha obtido acesso às informações de maneira legítima e pelos canais corretos que governavam as operações de todos os desenvolvedores no Facebook naquele momento, ele não respeitou nossas regras subsequentemente", afirmou o vice-presidente jurídico assistente do Facebook em um comunicado divulgado em 16 de março.

 

Ao entregar as informações a uma empresa privada, afirmou o Facebook, Kogan violou suas normas de uso.

 

Em 2015, o Facebook alterou suas normas, e alterou as regras sobre como apps de terceiros podem ganhar acesso a informações sobre os amigos de um usuário. Mas os dados sobre usuários recolhidos por esses apps ao longo dos anos provavelmente continuam disponíveis, sem mencionar os modelos criados com base neles, que podem continuar a ser usados para direcionar material a pessoas de todo o mundo.

 

O QUE SEUS "LIKES" NO FACEBOOK DIZEM SOBRE SUA PERSONALIDADE

Pesquisadores da Universidade Stanford e do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge criaram um modelo capaz de avaliar a personalidade de uma pessoa com base exclusivamente em seus "likes" no Facebook. O modelo pode usar os "likes" para avaliar o quanto uma pessoa tem a mente aberta, e o quanto ela é conscienciosa, extrovertida, cordata e neurótica.

 

Mentes abertas

Tom Waits - cantor

Salvador Dali - artista

Björk - cantora

"Laranja Mecânica" - filme

Escrever - hobby

 

Mentes menos abertas

Cheryl Cole - cantora

"The Hills" - série de TV

Luke Bryan - cantor

Adidas Football - marca

Jason Aldean - cantor

 

Pessoas mais conscienciosas

Correr - hobby

"Private Practice" - série de TV

Viajar - hobby

Cozinhar - hobby

Trilhas - hobby

 

Menos conscienciosas

Bring Me the Horizon - banda

Escape the Fate - banda

"Adventure Time" - série de TV

Minecraft - jogo

"The Skins" - série de TV

 

Pessoas mais extrovertidas

DJ Pauly D - músico

Michael Kors - marca

Waka Flocka Flame - cantor

JWoww - estrela de TV

Gucci Mane - cantor

 

Menos extrovertidas

Animê

Nightwish - banda

Mangá

Videogames - hobby

Desenhar - hobby

 

Mais cordatas

Casting Crowns - banda

Bíblia

Deus

Rascall Flatts - banda

Relient K - banda

 

Menos cordatas

Marilyn Manson - cantor

Rammstein - banda

Placebo - banda

Judas Priest - banda

"Californication" - série de TV

 

Mais neuróticas

Placebo - banda

Escape the Fate - banda

Bring Me the Horizon - banda

Marilyn Manson - cantor

The Smiths - banda

 

Menos neuróticas

"SportsCenter" - programa de TV

ESPN - rede de TV

Derrick Rose - atleta

Miami Heat - equipe esportiva

Futebol americano - esporte

 

Fonte: Michal  Kosinski, Universidade Stanford