Apesar dos preços mais baixos e da comodidade, compras pela internet ainda provocam receio
10/09/2018
Há quatro anos, a jornaleira Sônia Souza Brito Quaglia, 61 anos, encantou-se com um guarda-roupa que viu na internet. “Comprei sem nem ver ao vivo, foi o primeiro produto que adquiri online”, lembra. O prazo para a chegada do móvel era de 15 dias, mas demorou três meses. “Ainda vejo coisas dessa loja, mas nunca mais quis comprar nela”, conta Sônia.
Apesar da má experiência, ela continuou comprando pela internet. As mais recentes, uma máquina de lavar e um fogão, deram certo. Assim como Sônia, muita gente acima dos 60 anos tem preferido fechar
negócio no mundo virtual.
A jornaleira faz parte de uma parcela crescente de pessoas que fazem compras pela internet. Uma pesquisa do CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) e do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) realizada neste ano investigou os hábitos dos consumidores brasileiros e apontou que 62% preferem comprar online.
Segundo Sônia, o principal benefício é a economia que a internet possibilita. O fogão que ela comprou estava mais barato no site do que na loja física. “Em geral, há preços mais vantajosos do que os praticados nos estabelecimentos, principalmente em livros, discos, eletrônicos e eletrodomésticos”, diz
Alessandra Kormann, colunista de tecnologia da Revista da Hora.
Além de melhores opções de preço, a comodidade de receber os produtos em casa é o que faz o professor Marco Antônio Ferreira Lima, 63 anos, optar pelo carrinho virtual. Desde que começou “essa história de internet”, ele consome pelo computador. “Compro de tudo, estou sempre conectado”, conta ele, que se diz viciado em internet.
Eletrônicos, móveis, remédios e até itens de supermercado já estiveram em seu carrinho virtual. “Só não compro roupa porque prefiro experimentar”, diz. “É raro eu sair para ir à far
mácia.” Só quando o remédio precisa de receita médica o professor coloca os pés para fora de casa.
O cuidado e a atenção, no entanto, devem ser redobrados ao comprar pela internet. Preços muito abaixo do valor de mercado podem indicar uma furada. “Desconfie sempre. Não caia em arma dilhas como viagens grátis ou promoções absurdamente maravilhosas. Nunca clique em links recebidos por email ou redes sociais, pois isso acaba instalando vírus ou outros tipos de malware [programas maliciosos] no seu
computador, que podem inclusive roubar seus dados.”
A dica é entrar direto no site da loja para efetuar uma compra. Nathália Morelli, gerontóloga e fundadora da Smart Sênior, empresa de aulas particulares de informática para idosos, aconselha sempre pedir refe
rências aos amigos antes de clicar em promoções que chegam por mensagem ou pelas redes sociais e procurar informações diretamente no site da loja.
Pesquisa é a palavra-chave na hora de adquirir um produto pela rede. Buscar na internet detalhes sobre o produto e dados sobre a reputação da loja antes de comprar é um dos primeiros conselhos dos especialistas e também um dos principais dos consumidores. Segundo dados do CNDL e do SPC, 47%
das pessoas que compram pela internet buscam informações sobre preço, detalhes do produto e relatos de experiências de outros usuários.
Muitos sites têm caixas de comentários em que outros consumidores falam da experiência ao comprar determinado produto e sobre a qualidade do item em si. Alguns endereços reúnem relatos de más experiências com lojas online e podem ser uma boa ferramenta de consulta antes de fechar negócio. “Se
a loja não for tão conhecida, verifique a reputação dela no Reclame Aqui [reclameaqui.com.br]. O Procon também tem uma lista de sites que devem ser evitados”, diz Alessandra.
Verifique se o site tem endereço e telefone de atendimento ao consumidor e cheque se esses canais funcionam. “Caso a pessoa tenha problemas com o produto ou não o receba, terá como reclamar.”
Marcele Soares, coordenadora de atendimento do Procon-SP, diz que, em caso de transtorno, o cliente deve procurar diretamente a loja para tentar resolvê-lo. Caso não haja solução, ele deve pedir ajuda ao órgão local de defesa do consumidor.
“Cerca de 70% das reclamações se resolvem quando o Procon entra em contato com a empresa”, afirma.
Além de problemas com produtos e entregas, compradores também enfrentam dilemas com trocas. Em transações feitas pela internet, o Código de Defesa do Consumidor garante o direito de se arrepender da aquisição. “Você tem o direito de devolvê-la sem pagar, nem mesmo o frete”, diz Roberta Densa, advogada e professora de direito do consumidor do CPJUR (Centro Preparatório Jurídico).
O professor Marco Antônio já passou pela experiência e afirma que foi bem atendido. “Comprei um tênis em um site conhecido, mas tive que devolver”, lembra. “Achei que seria complicado, porque eu nunca tinha feito isso, mas foi tranquilo.” Pelo próprio site, ele conseguiu agendar o retorno do produto.
Para evitar dores de cabeça, o comerciante Oscar Fantini Jr, 61 anos, costuma fazer compras apenas em sites de lojas conhecidas. E para conseguir o melhor negócio, ele diz pesquisar bastante. “Hoje tem muita informação disponível, e isso acaba fazendo com que eu me decida mais facilmente.”
De um dos populares sites chineses que oferecem preços baixíssimos, Fantini uma vez comprou uma peça de roupa que não serviu. “Demorou um pouco para chegar e, quando chegou, não era bem aquilo que eu queria. Nunca mais comprei, porque fiquei desconfiado dos produtos.”
Para consumir nesses sites, é preciso ficar atento ao prazo de entrega e também às taxas que podem ser cobradas se a compra for feita em moeda internacional. O produto também corre o risco de ficar preso na alfândega, o que pode gerar mais taxas e mais demora.
Quando surgir dúvida, procure ajuda. A jornaleira Sônia conta com a mãozinha dos filhos. “Não estou muito acostumada com a internet, não é coisa do meu tempo. A tecnologia é boa, mas não tenho paciência. Peço para os meus filhos, e eles fecham negócio, porque eu ainda fico insegura”, diz.
O medo de lidar com a tecnologia assombra parte da população acima dos 60 anos. “Muita gente tem receio de danificar o computador. Ou então não quer mexer, pois acha que o filho ficará bravo”, diz Carolina Belizário, educadora de artes e tecnologia do Sesc-SP.
Para ajudar, filhos e netos devem fazer parte do processo de ensino. Usar o celular para fazer compras é um desafio ainda maior. “Eles também têm medo de quebrar, mas a verdade é que não há diferença em comprar pelo computador ou pelo celular”, diz a gerontóloga Nathália. “O que diferencia é o toque.
Hoje, os celulares são touch e, às vezes, a pessoa toca a tela várias vezes e não consegue acessar o pro
duto, o que gera irritabilidade. Outra diferença é o tamanho da letra. O idoso normalmente precisa dar
zoom na tela, senão não vê e acaba errando. No computador, é mais fácil.”
Depois de fazer um curso para aprender a usar a internet, a costureira Lurdes Madazio, 73 anos, hoje faz compras tanto pelo celular quanto pelo computador. “Quando meu neto morava no Brasil, eu pedia ajuda, mas consegui praticamente sozinha. Fuço, pergunto e hoje eu ensino todo o mundo.”
Lurdes já se aventurou até pelos sites chineses. “Comprei um vestido de um tamanho, mas chegou menor e não tive como trocar.” Mesmo assim, ela diz que usa sempre a internet para comprar os produtos de beleza de que gosta, além de eletrônicos e eletrodomésticos.
“Faz alguns anos que compro meus cremes online, porque eles são importados.” Segundo a educadora Carolina, para os idosos, aprender a mexer na internet garante autonomia. “Mesmo que não fiquem seguros para realmente fazer a compra online, eles sabem que ali podem pesquisar tranquilamente antes
de decidir”, encerra.
Fonte: Folha de S.Paulo