Com batom comestível, indústria da beleza mira crianças pequenas na Coreia do Sul

19/02/2019


Yang Hye-Ji estruturou sua rotina matinal no ano passado, quando estava no jardim de infância. Uniforme? Vestido. Lição de casa? Feita.

 

Maquiagem? É claro.

 

“A maquiagem me deixa bonitinha”, explicou a garota de sete anos na segunda vez que foi ao spa-salão de beleza ShuShu & Sassy, em Seul.

 

Ela estava envolta num robe cor-de-rosa tamanho infantil, com os cabelos presos por uma faixa de coelhinho. Seu rosto estava sendo retocado levemente com uma esponja. Nos lábios, um brilho cor-de-rosa.

 

A indústria de cosméticos sul-coreana, conhecida como k-beauty (beleza sul-coreana), é uma força econômica crescente na Ásia e virou fenômeno mundial, sendo conhecida por pelos tratamentos rigorosos e o passo a passo que preconiza.

 

Mas as normas de beleza impõem pressão enorme às mulheres sul-coreanas, convertendo o país em um dos maiores centros mundiais de cirurgia plástica. E, cada vez mais, a indústria da beleza tem como alvo meninas cada vez menores.

 

Esse fato vem gerando receios que resvalam em muitas das discussões sociais fundamentais na Coreia do Sul: até que ponto a sociedade deve ou não valorizar a beleza, se as mensagens sobre beleza expulsam outras aspirações da cabeça das meninas, se é sequer correto acrescentar mais pressão a uma infância já sobrecarregada por horários letivos muito longos e exames escolares cujos resultados podem definir o futuro das crianças.

 

“As heroínas de quadrinhos que as menininhas admiram são totalmente maquiadas dos pés à cabeça”, disse Yoon-Kim Je-yeong, professora do Instituto de Corpo e Cultura da Universidade Konkuk, em Seul.

 

“Quando colocam a maquiagem e o vestido para imitar as personagens, as meninas interiorizam a ideia de que o sucesso de uma mulher está estreitamente ligado à beleza.”

 

Os anunciantes não primam pela sutileza.

 

Um outdoor de kits de maquiagem para meninas de seis anos traz uma foto de uma garotinha de uniforme escolar passando batom, com a legenda: “Eu observo minha mãe e sigo seu exemplo. Estou crescendo hoje.”

 

Um vídeo no YouTube de uma garota de sete anos passando batom, intitulado “Quero usar maquiagem como a mamãe”, já foi visto 4,3 milhões de vezes. Outros vídeos semelhantes mostram garotinhas compartilhando sua “rotina de maquiagem para a escola primária” ou “abrindo meu kit de maquiagem da Hello Kitty”.

 

A ShuShu Cosmetics é pioneira no esforço do k-beauty para vender para crianças. Fundada em 2013, a empresa opera 19 butiques espalhadas pela Coreia do Sul, oferecendo cosméticos “mais saudáveis” para crianças, como esmalte de unhas solúvel em água e batons não tóxicos em cores “comestíveis”.

 

Há tatuagens e brincos adesivos, um creme de limpeza facial que “derrota o sol”, sabonete “menina bonita” e xampu de leite de cabras com o slogan “eu não sou bebê”.

 

No spa-salão de beleza, meninas de 4 a 10 anos podem curtir um tratamento completo, por US$ 25 a US$ 35, que inclui banho para os pés, massagem dos pés e panturrilhas, máscara facial, maquiagem, manicure e pedicure.

 

“O lema de nossos salões é que aqui as crianças podem brincar enquanto acompanham suas mães”, disse Grace Kim, gerente da ShuShu Cosmetics. “Nossos produtos são de uso seguro também para grávidas.”

 

A tendência da beleza para meninas pequenas não chega a limitar-se à Coreia do Sul. Kylie Jenner montou um império de cosméticos que movimenta estimados US$ 900 milhões e é voltado principalmente às meninas adolescentes. Vloggers de beleza mirins são populares também nos Estados Unidos e outros países.

 

Acadêmicos de várias vertentes analisam há décadas o impacto da pressão exercida sobre adolescentes e mulheres jovens no Ocidente para se adequarem a padrões pouco realistas de aparência e tipo corporal.

 

Na Coreia do Sul, porém, essa preocupação agora também abrange meninas tão pequenas que mal sabem ler as embalagens dos produtos de beleza voltados a crianças de idade pré-escolar.

 

A indústria da beleza na Coreia do Sul é uma das dez maiores do mundo, movimentando mais de US$ 10 bilhões. Os sul-coreanos gastaram US$ 45 per capita com cosméticos em 2017, mais que os US$ 37 dos americanos e bem acima da média global de US$ 21, segundo a empresa de pesquisas de mercado Mintel.

 

O índice de cirurgias plásticas na Coreia do Sul é um dos mais altos do mundo. Uma em cada três mulheres de 19 a 29 anos diz que já se submeteu a procedimentos desse tipo, especialmente cirurgia das pálpebras, segundo o Instituto Gallup. De acordo com um estudo de 2017 da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, o país é campeão mundial no número de cirurgiões plásticos per capita.

 

O k-beauty também está se popularizando nos Estados Unidos. No mês passado a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, compartilhou na internet sua rotina de cuidados com a pele, inspirada no processo trabalhoso de vários passos do k-beauty, envolvendo todo um arsenal de produtos.

 

A ShuShu já está vendendo seus cosméticos para crianças em Singapura e na Tailândia. A empresa pretende expandir suas vendas para os EUA e outros países.

 

O mercado de beleza infantil está crescendo, e a maquiagem para crianças é promovida como “uma nova cultura de brincadeira infantil”, disse Lee Hwa-Jun, especialista da Mintel na indústria sul-coreana da beleza. “As empresas de cosméticos sul-coreanas estão cada vez mais interessadas nas crianças como potenciais novas consumidoras”, ela explicou.

 

Algumas mulheres já estão reagindo contra a nova moda.

 

Fonte: Folha de S.Paulo