Uso do celular prolonga saúde mental de idosos

13/05/2019


Toda sexta-feira, os alunos de Magali chegam com seus smartphones e dúvidas anotadas num papel. Ela os ensina a abrir conta em rede social, pagar boletos pelo app do banco ou chamar um táxi, como complemento às aulas de computação básica que ministra de segunda a quinta numa sala na Mooca (zona leste de SP).

 

Toda sexta-feira, os alunos de Magali chegam com seus smartphones e dúvidas anotadas num papel. Ela os ensina a abrir conta em rede social, pagar boletos pelo app do banco ou chamar um táxi, como complemento às aulas de computação básica que ministra de segunda a quinta numa sala na Mooca (zona leste de SP).

 

O pesquisador diz que há duas grandes vertentes hoje em relação ao uso de tecnologia para estimular o cérebro. Uma delas é o de pacotes prontos de aplicativos e softwares para treinar áreas específicas, como cognição, memória episódica, memória operacional, foco e atenção.

 

É um mercado que movimenta US$ 1 bilhão ao ano, nos cálculos da SharpBrain, uma das principais consultorias do setor, e deve se multiplicar por 6 até 2020.

 

USO COTIDIANO

Outra vertente é adicionar a tecnologia no dia a dia, não com softwares específicos, mas com aqueles usados para agilizar e ganhar eficiência no cotidiano. “Isso vai garantir autoestima, independência, engajamento social.”

 

O pesquisador explica que os ganhos se dão pela repetição. Sem uso, a perda de neurônios é mais rápida.

 

Quando o uso da tecnologia no dia a dia melhora a qualidade de vida, cria-se um ambiente afetivo positivo, aumenta a adesão do idoso às novas práticas e ele mantém suas faculdades cognitivas.

 

Miguel diz que as duas vertentes são complementares, mas que vêm crescendo entre os cientistas a recomendação de inserir a tecnologia no dia a dia. É justamente a proposta da professora Magali Rossini, 52, que há 5 dá aulas na Fundação Sérgio Contente para 6 turmas e 126 alunos acima de 60 anos —o mais velho já passou dos 90.

 

As aulas começam do básico: como usar o mouse. Por mais simples que pareça, é outra atividade com muito potencial para estimular o cérebro, diz o professor Miguel.

 

“Hoje em dia já sabemos que há sobreposição total entre os circuitos neurais envolvidos em um ato motor complexo e nas tomadas de decisões”, diz ele. Toda vez que se aprende um movimento novo, o cérebro melhora sua capacidade em outros aspectos, incluindo o cognitivo.

 

“No curto prazo, só de aumentar o fluxo sanguíneo para a região do cérebro sob demanda já melhora o desempenho cognitivo. No longo prazo, isso gera plasticidade em todas as áreas.”

 

O acesso a tecnologia e internet ainda é bem menor entre os mais velhos, em comparação com os mais novos, mostra pesquisa sobre hábitos e comportamentos das diferentes faixas etárias, feita pelo Datafolha.

 

São 72% os brasileiros que possuem conta em rede social, porcentagem que vai de 97% entre os com até 24 anos até 32% entre os 60+. Mas a fatia mais que dobra quando o idoso é mais rico ou mais escolarizado:  60% e 71%. 

 

E, se estão em menor número, os idosos são usuários mais frequentes de tecnologias como os jogos, mostra pesquisa do Instituto Pew, dos EUA: 36% dos gamers com mais de 60 anos joga todos os dias, a maior assiduidade entre as faixas etárias.

 

Depois de aprender a usar o mouse e digitar, os alunos de Magali aprendem a navegar na internet, criam seus endereços de e-mail e suas contas em redes sociais.

 

 

“Parece que voltam a viver novamente, porque encontram amigos do passado, familiares que estão à distância e podem conversar. Eles se renovam 50 anos”, diz ela.

 

A questão importante agora, segundo Miguel, é descobrir se há transferência dos ganhos obtidos com o uso da tecnologia também no longo prazo. “Se um velhinho fica craque no sudoku, por exemplo, será que isso melhora também sua capacidade em outras áreas?”, exemplifica o professor da UFRN.

 

ATUALIZAÇÃO

Nem só por diversão os idosos procuram tecnologia: alguns querem aproveitá-la no trabalho, já que ainda têm planos profissionais.

 

É o caso do químico Antonio Gomes, 77, que, depois de se aposentar, abriu uma produtora de vídeo, ainda no tempo do VHS. Trabalhou na área durante 15 anos. “Sou muito perfeccionista, e acabava não lucrando quase nada.”

 

O advento da tecnologia digital, porém, fez voltar sua curiosidade pelas filmagens. “Quero aprender a fazer vídeos com o celular e colocar no Youtube”, diz ele, que faz aulas na Fundação Sérgio Contente.

 

Aposentado há quase dez anos, o projetista de elétrica José Lourival Barreiro, 69, faz três cursos simultaneamente: informática básica, no Instituto Porto Seguro, programação e técnicas para engenharia eletrônica.

 

Antes disso, já cursou informática na Universidade Aberta à Terceira Idade (Uati), da USP. “Quero ficar atualizado. Ainda não decidi parar de trabalhar. Só não estou empregado agora porque está essa crise no país.”

 

Coordenador da Uati, o médico Egídio Dórea diz que o interesse por cursos de informática é crescente. O programa, que tem 4.000 vagas, recebe pessoas de todas as classes sociais, com predominância da classe B.

 

Nas disciplinas curriculares, segundo ele, profissionais maduros ainda em atuação se inscrevem em matérias regulares da USP para atualizar conhecimento. 

 

“Por exemplo, um engenheiro cursa materiais pesados, ou um advogado cursa história do direito.”

Dórea relata que alguns dos alunos chegam com dúvidas sobre a capacidade de se encaixar numa classe mais jovem, mas que os resultados têm sido bons para alunos de todas as faixas etárias e para professores.

 

“Eles têm uma experiência profissional que acrescenta muito às aulas teóricas, além de servir de exemplo para os mais novos. São também muito participativos, fazem muitas perguntas, enriquecendo as aulas.”

 

Formada em Letras e ex-auxiliar administrativa, Raimunda Bezerra de Alencar, 73, fez até amigas mais jovens nos cursos da Uati.

 

“No primeiro dia, cheguei atrasada, bati na porta e, quando vi aquela sala cheia de jovens, pedi desculpas. Achei que estava na classe errada.”

 

A própria mãe

 

Nos cursos de informática da Fundação Sérgio Contente é grande a procura pelas aulas gratuitas.

 

Aluno mais velho da turma, o ex-carpinheiro Takahashi Onuma, 91, é um dos primeiros a chegar para a aula. Já passou pelas instruções de como usar o mouse, e agora treina digitar no teclado as teclas que aparecem em seu monitor.

 

Onuma quer aprender a mexer melhor no celular. Além das aulas de informática, ele vai toda semana ao karaokê e a sessões de dança de salão.

 

A ideia de ensinar tecnologia para idosos surgiu quando o próprio Contente, empresário no setor de softwares, se deu conta de que sua mãe, Maria da Conceição, 83, não sabia usar computador nem celular.

“Os mais velhos ficam com medo de incomodar, e não pedem ajuda.”

 

No começo, tentou ele mesmo ensinar a mãe e um grupo de amigas dela, mas fracassou. “Percebi que coisas que para nós são óbvias, como usar o mouse, para eles não são naturais.”

 

Com a contratação de professores e uma metodologia de aula montada para encorajar e engajar os mais velhos no aprendizado, o interesse começou a crescer.

 

A demanda foi tão grande que chegou a haver lista de espera com 1.000 pessoas. A entidade abriu novas salas de aula e, agora, a fila tem cerca de 200 nomes.

 

Maria Gecilda Rodrigues, a Bel, foi cabelereira por muitos anos até três anos atrás, quando decidiu se aposentar. Agora, usa o tempo livre para aprender a usar melhor seu celular e o computador.

 

As aulas de informática, que começou há pouco, também a ajudam a se animar após a perda de um filho, em 2017, vítima de câncer aos 29 anos de idade. “Quando a gente tem a meta de aprender algo, tem mais garra, mais vontade de viver.”

 

Aposentado há pouco mais de um ano, o operador de retífica de motor Wilson Luiz do Nascimento, 61, quer sair da fila do banco, usar o Whatsapp e ver as fotos dos netos. 

 

XBOX

Outro uso da tecnologia que melhora a vida dos idosos é no equilíbrio e na mobilidade, diz a fisioterapeuta Gisele ​ Cristine Vieira Gomes, 27.

 

Desde 2015, ela usa jogos do Xbox no Geros Center, academia especializada em idosos que fica no Alto de Pinheiros (zona oeste de SP).

 

Uma das vantagens é a parte lúdica, que aumenta o interesse e a frequência dos alunos. Num dos jogos, por exemplo, o idoso aparece dentro de um aquário e precisa pegar determinados peixes. "Isso estimula faculdades motoras, cognitivas, coordenação e equilíbrio."

 

Jogos de dança, futebol, vôlei, tênis e boliche também são usados, em sessões de cerca de 45 minutos.

 

O QUE DIZEM AS PESQUISAS

Tema: Treinamento cognitivo com programas de informática

 

Quem fez: Universidade de Hradec Kralove, República Tcheca, 2016

 

Resultados: programas de treinamento cognitivo melhoram funções cognitivas como a memória de trabalho e capacidade de raciocínio, memória de curto prazo, velocidade de processamento e memória visual, em particular. Mas o treinamento tem que ser mantido por longo período de tempo para que os efeitos sejam duradouros. A revisão bibliográfica avaliou seis estudos, todos randomizados com grupo controle.

 

Tema: Uso de tecnologia em instituições para idosos

 

Quem fez: Universidade de Iwoa, 1996

 

Resultados: O projeto foi feito numa instituição em que havia idosos com idade muito avançada e fisicamente frágeis. Eles já estavam há muitos anos nas instituições e ficariam ali para o resto de sua vida. Apesar de todos os percalços, estavam ávidos para aprender a nova ferramenta, ou seja, não abandonaram as esperanças e tinham interesse no futuro. Mostraram interesse por progredir apesar de, ou mesmo por causa de sua condição.

 

Homens usavam computador por mais tempo que mulheres, diferença significativa no grupo com até 12 anos de educação. Homens se interessaram mais pelos games e as mulheres, por sofwares educacionais.

 

Pesquisa com pessoas de 61 a 70 anos mostrou aumento de autoestima e habilidade mental e um sentimento de realização

 

Pesquisas não mostraram aumento de autoestima com dança, por exemplo, o que leva a acreditar que não é qualquer atividade que tem resultado. Quanto maior o prestígio da atividade, maior a chance de melhorar a autoestima.

 

Tema: Efeito do uso de tecnologia no volume do hipcampo

 

Onde foi publicado:  Journal of Alzheimer´s Disease, 2016

 

Resultados: O trabalho foi feito com 27 idosos intatos cognitivamente usando computadores por 51,3 minutos por dia na média. Menos uso diário de computador resultou em volume menor de hipocampo, menos densidade no hipocampo bilaterial e nos lobos temporais, ou seja, nas regiões de funcionamento da memória e estão envolvidas com Alzheimer e demência.

 

Uma hora adicional de uso de computador estava associada a 0,025% mais volume do hipocampo

 

Tema: uso de tablet e saúde dos idosos

 

Onde foi publicado: Associação Americana de Psiquiatria Geriátrica, 2017

 

Resultados: O trabalho seguiu 48 adultos saudáveis de 65 a 76 anos com mínima experiencia em tablet; 43 completaram os testes. O grupo tratamento tinha 22 participantes, que assistiram aulas de duas horas por semana, por dez semanas, nas quais usaram várias aplicações em tablet. Foram medidas compreensão verbal, perceptual processing (capacidade que temos de perceber o ambiente e os estímulos no nosso entorno e, em função deles, fazer uma tomada de decisão e agir) e memória de trabalho

 

O engajamento em um desafio mental foi associado com a melhoria da velocidade de processamento. Adquirir habilidades na idade avançada, incluindo adotar novas tecnologias, reduz ou atrasa mudanças cognitivas relacionadas com a idade.

 

Houve grande melhoria na velocidade de processamento, em compreensão verbal e perceptual reasoning.

 

Fonte: Folha de S.Paulo