Cidadão está menos propenso a responder a 100 perguntas, diz presidente do IBGE

15/05/2019


Nomeada em fevereiro pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para presidir o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a economista Susana Cordeiro Guerra, 37, assumiu o cargo praticamente às vésperas da maior operação do instituto, o Censo Demográfico de 2020.

 

Em uma de suas primeiras declarações, propôs um corte de 25% no orçamento inicial da pesquisa, de R$ 3,4 bilhões, desencadeando uma campanha de defesa do Censo, com críticas principalmente à proposta de redução do questionário que será aplicado a todos os domicílios brasileiros.

 

Em entrevista à Folha, ela disse que a operação do Censo tem de ser “vista com novos olhos”, agregando novas tecnologias e fontes de dados.

 

Ela defendeu ainda que a redução no número de perguntas é tendência mundial, com o objetivo de melhorar a qualidade das respostas.

 

“Nos tempos de hoje, o cidadão está muito menos propenso a responder um questionário de cem perguntas.”

 

É possível cortar custos do Censo sem perda na qualidade da informação?

Nosso objetivo é fazer um Censo de qualidade, entregue a tempo e dentro de um orçamento.

 

São duas questões separadas. A questão orçamentária e os cortes que deverão ocorrer em função dela são fruto de uma série de ajustes, que incluem avaliar diferentes aspectos da operação, incluindo métodos de coleta, supervisão, avaliação, entre outros assuntos, como tecnologia e novas ferramentas.

 

Outra questão é o questionário, o ajuste que está sendo discutido pela equipe técnica do IBGE, e é uma questão de qualidade.

 

Esses ajustes ocorreriam mesmo sem restrição orçamentária. São ajustes para tornar a operação mais simples e ágil, para melhorar a qualidade da cobertura e a qualidade das respostas.

 

O mundo todo está caminhando para questionários mais simples, mais ágeis e não tem por que o Brasil ser diferente, quando há outras formas de coletar a mesma informação de forma mais precisa, eficiente e transparente.

 

Quais são essas formas?

Existem questões no Censo atual que poderiam ser coletadas por meio de novas tecnologias já existentes, inclusive utilizadas por outros países. A gente quer alavancar essas tecnologias, essas ferramentas.

 

Uma outra vertente seria também o uso mais eficaz e integrado dos registros administrativos existentes.

 

Nos tempos de hoje, o cidadão está muito menos propenso a responder a um questionário de cem perguntas. E o Brasil de hoje é totalmente diferente do Brasil de 2010.

 

Estamos em um mundo mais veloz, um mundo de crescentes aglomerados urbanos, um mundo em que existem questões de segurança. Todas essas questões criam desafios para uma operação de campo.

 

Então, essa operação tem de ser vista com novos olhos, para que seja feita da forma mais ágil possível e não comprometa a função principal do Censo, que é medir a densidade populacional e o perfil da população brasileira.

 

A ideia é usar a internet para coletar dados?

A ideia é potencializar três áreas. O uso e integração de registros administrativos, otimizar o papel de pesquisas já existentes, como a Pnad contínua [pesquisa mensal que mede o desemprego], e o uso de novas tecnologias e ferramentas de coletas.

 

A Colômbia já usou [a internet], vários países usam modelos multimodais de coleta. Os Estados Unidos, por exemplo, usam o questionário presencial, a internet e os correios.

 

Essa é uma questão técnica, que está sendo estudada pelo novo diretor de informática e a equipe de informática. A ideia é que a gente continue no modelo tradicional de coleta, que é o modelo que o IBGE tem por excelência, e ao mesmo tempo a gente consiga inovar na margem.

 

Como o ajuste do questionário impactaria na operação?

Como todos os ajustes da operação, ele tem o intuito de simplificar e agilizar essa operação de campo. O recenseador e as equipes técnicas que estão na ponta sabem os benefícios de um questionário mais ágil.

 

A ONU [Organização das Nações Unidas] tem três princípios para a implementação de um censo, que incluem a necessidade de uma série básica de informação para a comparabilidade dos censos, a avaliação se existem outras fontes de dados para coletar a mesma informação e a necessidade de se produzir uma operação dentro do orçamento.

 

Na prática, nós estamos procurando nos aderir a esses três princípios fundamentais.

 

A dificuldade para obter recursos para o Censo era reclamação frequente de seus antecessores. Agora, na reta final, como a questão pode ser resolvida?

 

Em pouco mais de dois meses nós conseguimos a aprovação do Ministério da Economia para todos os concursos de contratação de temporários, que estavam pendentes há mais de um ano, e conseguimos também uma forte sinalização de apoio orçamentário para o Censo.

 

Nós não poderíamos estar mais bem posicionados com o cronograma de 2020 do que estamos agora.

 

Já conseguiram todos os recursos? Qual o valor?

O orçamento ainda está sendo discutido pela LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias]. Ninguém ainda sabe quanto vai ter de orçamento para o ano que vem e isso também atinge o IBGE.

 

Nós sabemos que vai ter uma restrição orçamentária significativa, mas não sabemos ainda o número. Mas temos uma forte sinalização de que nós receberemos um orçamento favorável à execução de um censo de qualidade, com menos custos e sem perda de informação.

 

O ministro Paulo Guedes falou em venda de imóveis do IBGE. Isso está em debate?

O IBGE, como todo órgão público, está sendo contingenciado. Essa é uma realidade do quadro econômico do Brasil. E, como todo órgão contingenciado, estamos tomando uma série de providências para a racionalização dos gastos.

 

A consolidação predial e otimização do espaço é algo que está também sob consideração.

 

Funcionários do IBGE reclamam da falta de concursos para compensar a perda de quadros nos últimos anos. Está no radar?

Sim. Essa é uma questão dramática dentro do IBGE, que está tendo toda a nossa atenção. O governo federal restringiu todo tipo de concurso público, com algumas poucas exceções.

 

O IBGE tem de se adequar a esse cenário e está considerando formas alternativas para a complementação do quadro, que envolvem movimentação da força de trabalho entre órgãos e, ao mesmo tempo, novos modelos de bolsas e estágios que possam promover uma maior oxigenação no quadro de pessoal.

 

Porém, essas formas alternativas não vão solucionar o problema de quadro dentro do IBGE, que vai ser retomado assim que a oportunidade surgir dentro do governo.

 

Outra maneira de potencializar esse excelente trabalho da equipe é trazer novos recursos para o IBGE, por meio de convênios internacionais e nacionais.

 

Estamos atualmente em conversas iniciais com o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] e temos avançado na estruturação de uma assistência técnica.

 

Como funcionaria?

São conversas ainda iniciais e, assim que tivermos um detalhamento maior sobre a formalização dessa assistência técnica, divulgaremos para a sociedade. Pode se dar por meio de diversos mecanismos, como a oferta de novas tecnologias, recursos humanos, parcerias, convênios.

 

Recursos para que a gente possa alavancar o trabalho da equipe e do corpo técnico, de forma estratégica, potencializando os trabalhos já existentes daqui.

 

Por que a sra. trocou os diretores de Pesquisas e de Informática?

Após uma avaliação das nossas prioridades na instituição e dos recursos humanos dentro do IBGE, eu fiz a opção de compor a minha equipe com dois técnicos nas áreas de pesquisas e informática, visando a combinação da tradição de excelência do IBGE com inovação.

 

O Eduardo Rios-Neto [novo diretor de Pesquisas] é um dos maiores demógrafos do Brasil. Ele traz uma bagagem imensa tanto na área de demografia quanto na área de economia e vai conseguir ter visão bem ampla de todos os trabalhos do IBGE tendo sido consumidor ativo [das pesquisas] e tendo participado de inúmeras comissões dentro do IBGE.

 

E o David Wu Tai [novo diretor de Informática] tem mais de 40 anos no IBGE, é um assíduo conhecedor de todos os trabalhos do instituto, incluindo a operação censitária. Então ele vai trazer uma excelência de gestão com conhecimento do instituto e um direcionamento para absorção de novas tecnologias e ferramentas.

 

Fonte: Folha de S.Paulo