SP: reabertura de escolas amplia risco de covid-19 para 340 mil idosos

29/09/2020


A aposentada Maria Elisa Victorino Geraldo, de 72 anos, divide a casa onde mora, na zona leste da capital paulista, com a mãe, Dinah de Rossi Victorino, de 94 anos, a filha e as netas. Ela é uma dos cerca de 340 mil idosos da cidade que coabitam com crianças e adolescentes em idade escolar.

Com a pandemia de covid-19 e a discussão sobre o retorno às aulas presenciais em São Paulo, Maria Elisa teme estar mais exposta ao novo coronavírus quando as crianças voltarem a frequentar a escola.

“Tememos muito o retorno às aulas. Tenho diabetes e minha mãe tem enfisema pulmonar. Aqui em casa temos duas crianças em fase escolar, Francesca, de 14 anos, e Antonella, de 12 anos. Elas devem permanecer em casa, nas aulas online, se isso for opcional até o fim da pandemia. Caso contrário, minha filha, mãe delas, verá como poderá ser feito esse processo”, admite a aposentada.

“Nosso maior medo, além do que já conhecemos da potência do vírus através de reportagens, é que os médicos sempre descobrem novos sintomas e sequelas, ou seja, ainda temos desconhecimento do que o vírus realmente pode causar a curto e a longo prazo, fora o perigo de morte”, completou Maria Elisa, que mora na Vila Prudente.

O casal de aposentados Luís Pinheiro Silva, de 69 anos, e Miriam Cristina Borges Pinheiro, de 67 anos, também mora com os netos e teme o retorno das crianças à escola. Para Luís, a volta às aulas só deveria ocorrer depois da descoberta da vacina contra o novo coronavírus e da imunização de todos.

“Se reabrirem as escolas, sem garantia nenhuma, porque não foi feita a vacina, quem pode dizer que a criança vai manter 1,5m longe um do outro se, no dia a dia, ninguém faz isso, nem dentro do supermercado, nem shopping! A criança pode se contaminar e transmitir para seus familiares, principalmente para os avós, então não acho certo voltar agora. Creio que deveria voltar sim, depois que tiver uma vacina para todos”, disse o avô de Luiz Gustavo, de 8 anos, e de Kethlyn Cristiana, de 6 anos, moradores do Jardim Marília, também na zona leste.

Até este momento, a prefeitura de São Paulo liberou, a partir de 7 de outubro, as aulas presenciais para alunos do ensino superior ou para atividades extracurriculares do ensino infantil, fundamental e médio,.

A volta às aulas das escolas públicas e particulares ainda não tem data definida. O prefeito disse que está sendo avaliada a possibilidade de os estudantes voltarem a partir de 3 de novembro.

De acordo com a professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) Yeda Duarte, mais de 20% dos idosos da cidade de São Paulo moram em casas com jovens em idade escolar. Um fato que, segundo ela, precisa ser levado em conta ao se discutir o retorno das aulas presenciais.

O alerta foi feito durante o webinar “Covid-19, 60+: que epidemia é essa?”, promovido pela Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo) em parceria com o Canal Butantan. A íntegra do evento pode ser assistida no YouTube.

Pesquisa

Com o apoio da Fapesp, a professora coordena, desde 2000, o Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), que busca avaliar periodicamente as condições de vida de moradores do município de São Paulo com 60 anos ou mais. O dado apresentado no seminário foi extraído da edição mais recente, conduzida entre 2015 e 2017 com 1.236 participantes selecionados para representar o perfil da população idosa da capital.

Nos últimos meses, em parceria com pesquisadores do Instituto Butantan, a equipe do SABE tem investigado como a covid-19 vem afetando esse grupo de voluntários. Além de entrevistas por telefone para avaliar o impacto da doença e do isolamento social, foram feitos exames sorológicos (para buscar a presença de anticorpos contra o novo coronavírus) em 310 idosos e em todas as pessoas com quem eles mantêm contato frequente.

No caso de indivíduos que apresentaram sintomas suspeitos nos 15 dias que antecederam a coleta, também foi feito o teste de RT-PCR (que detecta o RNA do vírus e é o principal método de diagnóstico da covid-19).

Dados preliminares do SABE-COVID (80% dos resultados tabulados) apontam uma soroprevalência de 4,5% entre os idosos avaliados. Entre seus principais contactantes o percentual foi mais que o dobro: 9,6%.

“O maior número de reagentes está entre os contactantes e essa é uma questão importante quando se fala em retomar as atividades normais. Os idosos estão nas suas casas e, na maioria das vezes, cumprindo o distanciamento social. Mas estão sendo contaminados pelas pessoas que continuam circulando pela cidade e trazem o vírus de fora para dentro”, afirmou Yeda.

A maioria dos casos e os dois únicos óbitos registrados no grupo de estudo ocorreram na zona sul da cidade, em bairros como Campo Limpo, Jardim Ângela e Jardim São Luís. Na sequência estão Pirituba, Freguesia do Ó (ambos na zona norte), Aricanduva e Artur Alvim (na zona leste).

Segundo Yeda, a maior soroprevalência em bairros periféricos tem relação com as condições de moradia nesses locais. “Há, por exemplo, um maior número de pessoas vivendo na mesma casa. Esse aspecto da desigualdade social precisa ser considerado ao se definir a flexibilização das medidas de controle e os grupos prioritários para vacinação”, destacou.

Fonte: Agência Brasil