Havaianas mira o freguês do futuro com loja laboratório em SP

18/12/2019


Sinônimo de chinelo de dedo e de glamour no mundo da moda, a Havaianas abriu no início deste mês, em São Paulo, sua primeira loja laboratório. Cheio de tecnologia, o novo ponto de venda da marca do Grupo Alpargatas tem uma intenção muito clara: saber quem é o consumidor da empresa. Mas no lugar da tradicional conversa de balcão, na qual o cliente deixa escapar preferências e desejos ao vendedor, a estratégia da loja passa pelo uso de novas ferramentas, que potencializam as futuras vendas. Câmeras espalhadas desde a entrada, prateleiras infinitas e até um espelho interativo no provador são alguns dos instrumentos que unem o varejo físico ao mundo digital. 

 

Quem entra na loja instalada no Shopping Iguatemi, espaço de luxo na zona sul da capital paulista, logo sente o cheirinho tradicional da borracha usada na fabricação do chinelo. Logo adiante, o visitante se depara com um painel interativo que conta a história da marca desde seus primeiros passos, em 1962. Enquanto isso, câmeras atentas detectam as expressões faciais e reações dos visitantes – se sorriem quando acham o produto que procuram ou se fecham a cara quando a expectativa é frustrada. 

 

Além da detecção facial, as câmeras também capturam um “mapa de calor” da loja. Isto é, identificam as mercadorias que chamam mais atenção do consumidor e reúnem o maior número de pessoas interessadas em vê-las e tocá-las. Outra fonte de informações sobre a clientela é a rede de Wi-Fi gratuita, oferecida mediante preenchimento de cadastro. Além disso, os dados do caixa também ajudam a empresa a entender, afinal, o que de fato se converte em vendas. “Para analisar tudo isso, temos um time que coleta e cruza todas as informações”, diz Fernanda Romano, diretora de marketing e inovação global da Alpargatas.

Privacidade é questão importante de tecnologia

 

Ela frisa que todas as informações são avaliadas como números, não sendo individualizadas. Segundo a executiva, é possível identificar, em um conjunto de 100 clientes que passaram pela frente da loja, quantos de fato entraram – mas não suas identidades. “Nunca vamos conseguir saber qual cliente entrou e comprou determinado produto”, explica a executiva. Ela ressalta que a técnica usada não é de reconhecimento facial, mas de detecção e que há avisos espalhados pela loja para que os clientes saibam que estão sendo observados. “Somos muito rigorosos e seguimos todas as legislações nacionais e internacionais no que se refere à proteção e privacidade de dados”, afirma.

 

Para o especialista em privacidade Rafael Zanatta, coordenador de pesquisas do Data Privacy Brasil, a estratégia pode sair pela culatra. “Softwares assim são vendidos para incrementar as vendas, mas podem também gerar uma quebra de confiança do consumidor com a marca. É preciso ter a opção de fazer uma compra sem ser monitorado”, diz. “Além disso, ao saber que está sendo monitorado, o comportamento do cliente já deixa de ser espontâneo.”

 

Na visão de Zanatta, a discussão é complexa. “A privacidade não é um direito sobre ser deixado em paz, mas sim de conseguir negociar as relações sociais que regem o fluxo de dados. Quando não há negociação, a pessoa deixa de ter autonomia”, afirma. Segundo o especialista, um caso semelhante de uso de tecnologia por uma loja da Hering em São Paulo desembocou na abertura de um processo administrativo pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado ao Ministério da Justiça. “É um caso que vai determinar o futuro dessas iniciativas de tecnologia.” 

Teste inclui espelho inteligente e prateleira infinita

 

Com uma construção modulada, a loja laboratório permite que a Havaianas execute testes constantemente. Em questão de minutos, araras e prateleiras podem ser mudadas, seguindo uma nova forma de apresentar os produtos de acordo com as preferências manifestadas pelos clientes. As mercadorias são expostas criando momentos de uso e temas, como “pé na areia” e “happy hour”, por exemplo, combinando modelos do chinelo com outros itens de vestuário.

 

Segundo Fernanda, a exposição das coleções da marca para os próximos meses já está toda programada nas lojas da empresa – mas isso pode ser rapidamente alterado no Shopping Iguatemi. Se a tendência de compra se alterar em São Paulo, a experiência pode ser replicada para os mais de 500 pontos de venda espalhados pelo País. 

 

Enquanto isso, espaços da loja trazem uma experiência de compra personalizada. O espelho interativo, dentro do provador, por exemplo, cria um ambiente específico para cada ocasião: se o cliente toca no ícone “férias na praia”, o som de gaivotas e ondas tomam conta do espaço. A iluminação fica semelhante a um dia de sol, enquanto a tela espelhada reflete imagens de chinelos, roupas e acessórios da marca recomendados para a ocasião. 

 

Já a prateleira infinita permite que o cliente conheça um número maior de produtos do que os que estão disponíveis na loja – é possível buscar itens por cor ou momentos de uso, escanear o código de compra com o celular e encomendar o item pela loja online da Havaianas. Além disso, há ainda um armário (locker) instalado na entrada da loja, para clientes que vão só retirar suas compras online. 

 

“Todas essas tecnologias combinadas significam a digitalização do varejo físico”, resume o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra. O varejo físico, observa, está um passo atrás em relação o online nas informações sobre os clientes. “Praticamente, não se faz nada, nem o fluxo de pessoas na loja física é medido.”

 

O fato de a Havaianas reunir todas as tecnologias numa loja só chama a atenção, segundo o presidente da SBVC. Ele diz que não tem conhecimento de uma varejista que neste momento esteja testando várias tecnologias simultaneamente num único ponto de venda. “Outras empresas testam tecnologias específicas, mas em lojas específicas”, observa.

 

As ferramentas usadas na digitalização da loja física têm impactos concretos nos resultados do varejo. O uso da prateleira infinita, por exemplo, pode trazer ganhos de produtividade nas vendas por metro quadrado e por vendedor, além de reduzir o volume de estoques na loja física, especialmente de produtos que são pouco vendidos. “Hoje, o mercado pede essa agenda da digitalização das empresas que vieram do varejo tradicional para o digital”, diz Terra, lembrando que a Havaianas faz parte do Grupo Alpargatas, que tem ações na Bolsa.

 

A Havaianas não revela quanto investiu no projeto nem quais são as expectativas de resultados que ele pode proporcionar. Mas, ao que tudo indica, a companhia está firme nesse propósito. Em fevereiro de 2020, planeja abrir a segunda loja laboratório, desta vez  em Londres, na badalada Carnaby Street. Tudo para conhecer o comprador de Havaianas no mercado internacional e transformar o cliente em freguês, como nos velhos tempos do varejo – agora, tipo exportação. 

 

Fonte: Estadão