Quarentena faz aumentar coleta de lixo

26/06/2020


Carlos Antônio dos Reis tem 52 anos e desde os 9 percorre as ruas da cidade de São Paulo coletando materiais recicláveis. O ano de 2020 está sendo histórico para ele: nunca viu tanto plástico e papel sendo descartado. Também nunca trabalhou tão intensamente quanto agora. O que ele vive hoje na maior cidade do Brasil é reflexo do isolamento social e um recorte do que se observa em todo o País.

Balanço da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), enviado ao Estadão com exclusividade, mostra um aumento de 28% na coleta de resíduos recicláveis em todo o País no mês de maio, que considera apenas o lixo doméstico. O levantamento foi feito com operadores de diversos municípios, de diferentes portes e regiões, que representam 60% do mercado de limpeza urbana do Brasil.

O diretor presidente da entidade, Carlos Silva Filho, diz que esse resultado vem da maior permanência das pessoas em casa devido à quarentena e medidas de distanciamento social. “É fruto desse novo perfil de compra online, de embalagens para os alimentos, do delivery. Infelizmente, nós observamos esse aumento, mas isso não se transformou em reciclagem porque muitas centrais no Brasil tiveram a atividade suspensa e todo material coletado foi para aterros e lixões”, diz.

Na cidade de São Paulo, a Prefeitura aponta crescimento de 39% na coleta seletiva nos primeiros 23 dias de junho em comparação com o mesmo período em 2019. Foram recolhidas 6 mil toneladas de resíduos recicláveis ante 4,3 mil no ano passado. Neste mês, a gestão também relata queda de aproximadamente 30% nos dados de varrição pública. “Esses números podem estar ligados a uma maior adesão dos paulistanos à reciclagem, assim como uma menor geração de resíduos nas ruas durante o período de quarentena devido ao coronavírus”, diz o órgão em nota, que ainda não tem dados disponíveis sobre o recolhimento de plástico neste ano.

Embora a coleta aconteça, o panorama brasileiro da reciclagem preocupa porque, segundo Filho, mesmo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que em agosto completa 10 anos, o País recicla apenas 4% dos seus resíduos. E a maior parte desse pouco trabalho é feita informalmente por pessoas como o Carlos Antônio dos Reis.

O catador estima um aumento de 75% da coleta só de plástico desde que a quarentena começou na cidade de São Paulo. De modo geral, ele também já esperava um crescimento da quantidade de recicláveis que iria recolher. “Eu coleto em um restaurante na região da Consolação e eu tirava dois ou três sacos de lixo por dia, mas hoje nós estamos coletando, em média, 30 sacos por dia”, conta. Detalhe: os sacos têm volume de cem litros.

Nas residências, o cenário é parecido. Em uma única casa na região do Jardins, ele recolhia um saquinho de lixo por semana com resíduos recicláveis. Agora, são seis no mesmo período. Outro exemplo que Reis dá, e que mostra o quanto o trabalho dos catadores foi intensificado, é de um condomínio com 40 apartamentos onde, antes, ele passava uma vez por semana e durante a quarentena passou a ir duas vezes por semana.

“Nunca vi algo assim, mesmo quando a cidade não tinha coleta seletiva nem cooperativas da Prefeitura. Isso é porque aglomerou todo mundo em casa”, comenta. “Acredito que nos próximos meses vai ser pior porque o consumo vai aumentar, as pessoas vão consumir mais”, prevê. Ele faz parte de um grupo de 19 catadores que criaram a campanha Panela Velha, que recolhe nas residências todo tipo de material reciclável e itens para doação.

“Do grupo, sete estão trabalhando e para manter essas sete famílias tem de trabalhar dobrado”, afirma Reis. Tudo o que eles coletam vão para uma central de triagem na zona leste da capital paulista, mas nem tudo é comercializado, ou porque algumas empresas fecharam ou porque o preço dos materiais caiu.

Comportamento do brasileiro é fundamental

Embora o cenário de emergência sanitária justifique o maior consumo e descarte de materiais recicláveis, em especial o plástico, o modelo de produção brasileiro e o comportamento humano sempre contribuíram para isso. O diretor presidente da Abrelpe analisa que esse modelo é completamente linear, ou seja, tudo o que é posto no mercado para consumo e nós consumimos se transforma em resíduo.

“O Brasil está muito distante do conceito de economia circular (em que o resíduo volta como matéria-prima), mas, para que isso aconteça, precisamos de toda uma cadeia produtiva, de comércio e de devolução dos materiais, para funcionar”, diz Filho. O hábito de reciclar também deixa a desejar entre os brasileiros.

A penúltima edição do relatório da Abrelpe trouxe uma pesquisa realizada pelo Ibope com pouco mais de duas mil pessoas, das quais 98% consideravam a reciclagem importante, mas 75% não fazia coleta seletiva. “Por mais que as pessoas recebam informação, na prática ainda não conseguimos engajar esse cidadão”, avalia o diretor presidente. “Se não houver esse passo inicial do cidadão, a coleta seletiva e a reciclagem não vão funcionar.”

No geral, o cenário é de queda

A boa notícia é que, em termos gerais, a Abrelpe notou uma queda de 9%, em maio, na geração de resíduos sólidos urbanos em comparação ao mesmo período de 2019. Esse contingente inclui o lixo doméstico e o de limpeza pública, como varrição. Em meados de março, quando o governo do Estado de São Paulo decretou quarentena, a associação fez uma estimativa do que poderia acontecer com a produção doméstica de resíduos sólidos e previu um aumento de 15% a 25%. Porém, já em abril, viu-se uma redução de 6%.

“A gente levantou que a questão da retração econômica, a perda do poder aquisitivo da população, afeta diretamente essa situação em que nós chegamos da geração de resíduos sólidos. Com menor poder aquisitivo, com menor disponibilidade financeira, houve menor consumo e menor descarte”, explica Carlos Silva Filho. Historicamente, essa é uma constatação que a Abrelpe fez ao longo de 16 anos de estudos: períodos de instabilidade econômica têm impacto direto na geração de lixo, com cenário de queda.

O diretor presidente destaca, ainda, que o resultado geral é negativo porque a fração dos materiais recicláveis é menor no conjunto avaliado. Segundo ele, orgânicos e rejeitos correspondem a quase 70% do total de resíduos gerados.

Fonte: Estadão