Novas regras do vale-alimentação tiram flexibilidade e geram debate
09/05/2022
Normas do PAT visam garantir que VA e VR sejam gastos só com
comida; mercado critica engessamento de valores como benefícios aos
funcionários
As novas regras do PAT (Programa de Alimentação do
Trabalhador), instituídas no final de 2021 por um decreto do governo federal,
geraram um corre-corre em toda a cadeia de benefícios. Das empresas
fornecedoras de vale-alimentação (VA) e vale-refeição (VR) àquelas que incluem
esses vales no pacote de benefícios de seus funcionários, todas terão até maio
de 2023 para se adaptar às mudanças.
Entre as principais delas estão o fim dos prazos de
pagamento parcelados ou estendidos, que descaracterizam a natureza pré-paga
desses benefícios, e a proibição do rebate, uma espécie de desconto dado pelas
fornecedoras de vales ao RH das organizações e que acaba sendo compensado com a
cobrança de taxas mais altas dos estabelecimentos credenciados. Esses, por sua
vez, repassam o prejuízo a quem está na outra ponta da cadeia - os
trabalhadores, que pagam mais caro para se alimentar.
Segundo Fernanda Zanetti, VP de digital banking da Creditas,
que centraliza oito modalidades de benefícios corporativos em um único cartão,
incluindo vale-alimentação e vale-refeição, a prática acabava redistribuindo
parte do benefício do colaborador para a própria empresa. “Era um incentivo
meio estranho porque, além de reduzir a concorrência no mercado, era mais
interessante para a empresa do que para os funcionários”, afirma. “As empresas
de VA e VR também tinham que pegar um percentual muito grande dos
estabelecimentos para sustentar esse rebate, sendo que os RHs de empresas
inscritas no PAT já recebem incentivo fiscal do governo para oferecer os
vales”, acrescenta Viviane Sales, VP de Creditas@Work.
Outra alteração importante, de acordo com as executivas, é
que agora bandeiras mais amplas, como Mastercard e Visa, também passarão a ser
aceitas. “A gente acredita que essas mudanças vão trazer competitividade”, diz
Viviane. “Permitindo essas bandeiras,
abre a possibilidade para mais estabelecimentos aceitarem os vales, o que
significa mais opções para o trabalhador.”
Para Jessica Srour, diretora-presidente da ABBT (Associação
Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador), outra regra importante
envolvendo os vales veio em março deste ano, com a Medida Provisória 1.108, que
estendeu a proibição do rebate a todos os contratos CLT, a empresa sendo ou não
inscrita no PAT. A multa vai de R$ 5 mil a R$ 50 mil para quem não cumprir a
norma.
Ela fala que a MP trouxe rédeas para uma figura jurídica que
foi criada na Reforma Trabalhista de 2017, que é o auxílio-alimentação - um
novo formato de benefício sem isenção tributária e que, por falta de definições
claras, abriu brecha para que os valores fossem usados para outras finalidades.
“De lá para cá, isso veio sem regra e concorrendo de forma desleal com os
produtos do PAT”, argumenta. “Novas operadoras passaram a oferecer vouchers e
cartões em que tudo é possível. Agora, com a MP, não pode mais comprar qualquer
coisa. O gasto tem que ser com alimento.”
A diretora afirma que há duas facetas nesta análise. “Parece
uma modernização a pessoa escolher como quer gastar o VA e o VR. Só que o
governo não recolhe imposto (no caso do PAT) justamente para garantir que o
trabalhador vai se alimentar”, exemplifica. “A MP veio para aproximar mais o
auxílio-alimentação dos produtos do PAT, impondo multa às empresas que
operacionalizarem esses valores para qualquer finalidade. Até porque corre o
risco de o benefício passar a ser visto como adicional de salário a médio e
longo prazos”, ela alerta, destacando que isso aconteceu em outros países.
“Os governos lá fora começaram a recolher imposto sobre, aí
o benefício passou a incorporar o salário e deixou de existir. O PAT é o
programa mais antigo e robusto que tem no País. Beneficia 22 milhões de
trabalhadores e, indiretamente, as famílias. Estamos falando de mais de 40
milhões de brasileiros. Coletivamente é muito importante.”
Apesar de trazer alguns avanços, uma questão do decreto e da
MP que ainda gera discórdia é a impossibilidade de migrar valores do VA para o
VR e vice-versa. “Não existe flexibilidade para transferência de saldo entre
cartões alimentação e refeição e nem o seu uso para os outros fins que não seja
o de se alimentar”, explica Rodrigo Somogyi,
diretor de produtos da Sodexo Benefícios e Incentivos, que trabalha com
as duas soluções - o VA para compra de gêneros alimentícios em supermercados,
açougues, hortifrutis e afins e o VR para refeições prontas em bares,
lanchonetes, padarias, restaurantes e delivery, ambos regulamentados pela lei
do PAT.
Para ele, porém, o novo modelo híbrido de trabalho mudou as
regras. “Ao ter à disposição os dois benefícios, o colaborador pode optar pelo
que é mais conveniente para o seu momento, já que estar em home office não
significa ter tempo hábil para preparar a refeição, se alimentar, organizar a
cozinha e fazer a pausa antes da retomada das atividades profissionais”,
observa.
Copo meio cheio e
meio vazio
A chefe de inovação da 99Jobs, Viviane Elias Moreira,
acredita que o engessamento da transferência de valores não considera o
contexto individual dos colaboradores. No cargo há 6 meses, ela fez a
estruturação e implantação de uma série de benefícios de engajamento, como
plano de saúde sem coparticipação dos funcionários, day off no aniversário,
garantia de emendas de feriados nacionais e regionais e programa de parcerias
com universidades, clubes de compras, parque aquático, spa e idiomas, entre
outros. “Foram benefícios mais direcionados às demandas dos próprios
funcionários”, diz a executiva. “Costumo dizer que um CNPJ é um conjunto de
CPFs. Precisamos olhar para as reais necessidades das pessoas para ter um local
de trabalho mais feliz, e os benefícios passam por isso.”
No caso do VA e do VR, Viviane fala que a 99Jobs já fez as
adequações às regras. “Como empresa, para controle e mitigação de riscos, é uma
mudança positiva porque garante mais assertividade e impede desvios para usos
indevidos. Nesse sentido é um copo meio cheio”, afirma. “Mas para nós foi muito
mais dolorido no sentido do entendimento das necessidades do colaborador. Em um
momento de apagão de mão de obra e pessoas com novas necessidades, é um
retrocesso porque está tirando poder econômico deles.”
A executiva cita exemplos como o de quem usa o valor do VR
para juntar ao VA e fazer a compra do mês. “A pessoa está abrindo mão de comer
em restaurantes para colocar comida em casa. Muita gente é assim”, afirma. “Os
funcionários também trazem marmita para a empresa porque às vezes nem dá para
comer fora com o valor do VR. Então se o benefício é flexível, ele pode somar e
garantir o mês inteiro de abastecimento em casa”, acrescenta. “A lei é
benéfica, mas ignora completamente essa parte pessoal do colaborador. Agora as
empresas realmente vão ter que pensar em inovar na forma de conceder outros
benefícios, com linha de budget para isso, num contexto econômico e social
instável.”
Flexibilidade perdida
Outra que não considera a mudança como avanço é Alana
Querino, supervisora de RH do Grupo Crowe Macro, atualmente com perto de 500
colaboradores. A empresa, que oferece um pacote básico de benefícios composto
de assistência médica e odontológica, seguro de vida, vale-transporte, auxílio
educação, reembolso órgão de classe, auxílio home office, auxílio creche e
vale-refeição, a partir de agora vai ter que separar o valor do VR na
plataforma desenvolvida pelo fornecedor.
“Pensando na comodidade dos profissionais, fornecíamos vale-refeição
de forma flexível, em que era possível escolher como utilizar o valor
disponibilizado no cartão”, conta a supervisora. “Com as novas regras do PAT,
as empresas foram obrigadas a se adaptar e travar o saldo apenas para
alimentação ou refeição. No nosso caso não foi necessária a troca do prestador
de serviços, pois conseguimos definir como o saldo deve ser utilizado através
da plataforma. Mas no contexto geral não enxergamos de forma positiva, pois os
profissionais perderam a flexibilidade que tinham na utilização do benefício.”
Fonte: Sindicato dos Bancários de Goiás