Pandemia, vacinação e auxílio pressionam pauta de nova cúpula do Congresso

03/02/2021


Houve pouco tempo para celebrações. Mal foram eleitos como novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se viram diante de uma constatação inglória: há uma difícil equação a ser resolvida entre os efeitos da pandemia, as medidas a serem tomadas e o estreito orçamento público do país.

 

"A pandemia colocou a demanda por produção legislativa em outro patamar e a necessidade de ação do poder público em outro patamar. Em 2020, operamos com uma série de políticas públicas que andaram fora do orçamento. Agora em 2021, a gravidade continua, mas os programas precisam caber no orçamento", diz à CNN o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

 

"A dimensão e a profundidade da crise obrigam os parlamentares, em especial seus presidentes, a terem uma velocidade maior", corrobora Rubens Figueiredo, consultor e cientista político.

 

Lira e Pacheco foram alçados ao comando do Congresso com o apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). A chega de ambos ao comando das casas aumenta a expectativa para o andamento de projetos de interesse do Palácio do Planalto.

 

Para que isso se confirme, segundo cientistas políticos ouvidos pela CNN, o governo precisará ser habilidoso na articulação política para equilibrar interesses diversos dentro da sua base parlamentar, selecionando e avançando com projetos que lhe são caros, em especial com as complexas reformas econômicas.

 

"No nosso sistema, presidentes dependem de evitar competições internas dentro da sua própria base e mantê-la unidade com vistas às eleições seguintes. Caso o governo consiga converter essas alianças de ocasião em coalizões de longo prazo, a perspectiva para as reformas melhora bastante", avalia Cortez.

 

'Pauta emergencial'

Em seu discurso de vitória, o presidente da Câmara Arthur Lira falou em promover uma "pauta emergencial" para conter os efeitos da pandemia da Covid-19.

 

Em entrevista exclusiva à CNN, Lira citou como prioridade a retomada da discussão sobre o orçamento, travada desde o ano passado, e outros três projetos: a PEC Emergencial, a reforma administrativa e a reforma tributária.

 

São temas considerados difíceis de serem encaminhados, na avaliação dos especialistas ouvidos pela CNN. Isto porque tratam de muitos interesses diversos. No caso da tributação, por exemplo, a divisão vai desde setores econômicos a estados e municípios de diferentes regiões, que não se entendem em uma fórmula ideal a ser adotada.

 

Em seu discurso, Arthur Lira afirmou que não se trata apenas de "qual reforma fazer", mas "em que profundidade" e "em que prioridade". Para os cientistas políticos ouvidos, Lira, Pacheco e o governo Bolsonaro podem optar por concentrar esforços em aspectos em que o consenso seja maior e a aprovação tenda a ser mais rápida.

 

"Há tempo para a classe política resolver algumas dessas reformas, mas é preciso de um consenso. Um caminho pode ser esse, de ir em reformas que não sejam estruturantes e aprofundadas, que sejam medidas mais intermediárias", avalia a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

 

"O que sai é a reforma possível. O Executivo pede mais e o Congresso aprova o que for consenso. Nós temos no Brasil a ideia das reformas revolucionárias, que mudam tudo, com grande profundidade. Mas na verdade, o que sai é a reforma possível", completa Rubens Figueiredo.

 

Os efeitos da pandemia

Também em entrevista à CNN, Rodrigo Pacheco utilizou a expressão "conciliação matemática" para definir o esforço que vê como necessário para equilibrar as restrições orçamentárias com a demanda por mais medidas de assistência social, diante do desemprego e dos impactos econômicos da pandemia.

 

Os presidentes da Câmara e do Senado também afirmaram que irão buscar meios, sem especificar quais serão, para acelerar o ritmo da vacinação contra a Covid-19. Para Pacheco, além de sanitária, a medida é também econômica, porque permitiria a retomada mais rápida das atividades.

 

Falando à CNN, o deputado Arthur Lira propôs "um novo programa social". Ele elogiou o auxílio emergencial, "mas o Brasil não aguenta o pagamento de milhões de pessoas com aquele valor".

 

Para a cientista política Maria do Socorro Braga, a instituição de alguma medida nova de assistência social será decisiva para ditar a continuidade da coesão dessa base do governo.

 

"Os políticos já estão olhando para 2022 e o auxílio emergencial é muito importante para 2022. O que as pessoas mais querem é melhoria de vida. Caso projetos avancem e essa política permaneça, isso aumenta o capital político do presidente", avalia a especialista.

 

Rubens Figueiredo também cita as próximas eleições gerais como um fator importante. "Se a situação econômica piorar, as chances diminuem, mas se a economia tiver bem, a União entre o governo e o Centrão pode se manter", afirma.

 

O cientista político afirma que há alguns pontos ainda de atenção. Se o governo abrirá espaço para a entrada de ministros ligados aos partidos dos quais se aproximou e como lidará com quem desalojar, como os ministros militares ou nomes mais ligados à ala dita ideológica do governo.

 

Agenda de Bolsonaro

Segundo reportagem do colunista da CNN Caio Junqueira e do repórter Chico Prado, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a parlamentares aliados que Arthur Lira colocaria a "agenda bolsonarista" em votação caso fosse eleito presidente da Câmara.

 

São projetos alheios à pauta econômica, mas frequentemente citados pelo presidente. Posse de armas, ensino doméstico (o homeschooling), exploração econômica de terras indígenas, carteira estudantil digital e fim da obrigatoriedade de empresas publicarem balanços em jornais.

 

Há ainda no radar o voto impresso, fortemente defendido pelo presidente. Autora da PEC que institui um comprovante impresso de votação, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) foi uma das mais ferozes defensoras da candidatura de Arthur Lira. Após a eleição, Kicis deve comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara.

 

Os especialistas se dividem a respeito do futuro das pautas de Bolsonaro. Para Rubens Figueiredo, dificilmente o governo investirá nesses temas enquanto a situação econômica e sanitária em razão da pandemia se mantiver no atual patamar de gravidade.

 

Para Maria do Socorro e Rafael Cortez, no entanto, cresce o horizonte de que o governo precise fazer sinalizações aos parlamentares da sua base ideológica e levar adiante ao menos alguns desses projetos. Conciliar com a pauta econômica é uma segunda tarefa árdua.

 

"Essa pauta está sendo negligenciada há algum tempo. O Rodrigo Maia sempre segurou bastante esses temas. Não digo que vá atrapalhar os projetos econômicos, mas essas pautas criam também atritos internos. Na questão do armamento, por exemplo, você tem a adesão da chamada 'bancada da bala', mas a resistência de parte dos parlamentares mais religiosos", diz Braga, da UFSCar.

 

"É um risco importante, um dos principais para a agenda econômica, equilibrar duas agendas complexas, que provocam debates e divisões mesmo dentro da centro-direita. É necessária uma capacidade de articulação não trivial. É uma das principais limitações, principalmente se envolver assuntos como reforma eleitoral", completa Cortez.

 

Fonte: CNN Brasil