Com venda em queda, montadoras dão férias coletivas e abrem programa de demissão

11/04/2014

O mês de abril começou com pé no freio para a indústria automotiva. Isso porque no primeiro trimestre deste ano, a produção de veículos caiu 8,4%. Os dados são da Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Já na primeira semana de abril, a indústria administra uma queda de 14,5% na produção. O setor fechou março com estoques superiores a 48 dias – os maiores desde 2008.

 

A queda na produção já é um sinal bastante claro da má notícia: a conta não fechou. Depois de investimentos expressivos em linhas de produção, chegada de diversas montadoras estrangeiras ao Brasil, o mercado não está dando conta de tanta oferta. Na ponta da produção, quem sofre são os trabalhadores, que já começam a encarar uma temporada de Programas de Demissão Voluntária (PDV), férias coletivas e reduções de jornadas. Segundo a última Carta da Anfavea, o nível de emprego na indústria teve leve retração de 0,4% em março se comparado a fevereiro deste ano: 630 vagas fechadas.

 

Desconsideradas as possíveis sazonalidades de um carnaval tardio, o fato é que a indústria já esperava um mercado menos aquecido neste ano. Desde 2013, a informação sobre o retorno da cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) já ameaçava a rentabilidade de um dos setores produtivos mais relevantes do País. Para completar, o aumento da taxa básica de juros (Selic) encarece o crédito e a expectativa de jogos da Copa do Mundo e eleições não representam reforços a uma economia forte.

 

O vice-presidente da Ford, Rogélio Golfarb, não alimenta esperanças quanto a queda do IPI. “Não devemos esperar movimentos bruscos do governo neste ano”, diz. Mas o executivo ainda não desconsidera a possibilidade de Brasília desistir da cobrança integral, programada para julho deste ano.

 

Para Goldfarb, esse descompasso no volume de estoques é causado pela chegada de tantos novos modelos e marcas no País. “Estamos [o mercado] com 34% de capacidade ociosa. A tendência é diminuir a produção para regular esses estoques”, afirma.

 

Em 15 de abril, entra em funcionamento a fábrica da japonesa Nissan, em Resende (RJ). A unidade, que produzirá os modelos March e o Versa, terá capacidade para 200 mil veículos por ano. Fala-se no setor que a empresa já teria sinalizado a intenção de dar férias coletivas aos contratados. Foram R$ 2,6 bilhões aportados no empreendimento, que tinha por objetivo levar a Nissan a 5% do mercado automotivo nacional.

 

Por pressão política ou por inviabilidade financeira, algumas montadoras já estão de fato mandando funcionários para casa em férias coletivas, em programas de demissão voluntária e reduções de jornada. Ainda não houve demissões, mas há quem diga que esse é o próximo passo na falta de uma intervenção.

 

Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, líder do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul (ABC Paulista), por exemplo, já identifica uma suspensão na renovação dos contratos temporários. “Não é demissão, mas é quase a mesma coisa”, diz.

 

Na GM, em São Caetano do Sul, o PDV lançado em março ultrapassou discretamente metade da meta da montadora. A ideia era conseguir 600 funcionários dispostos a abandonar seus postos de trabalho em troca de benefícios. Conseguiram apenas 348. “Estamos caminhando para uma temporada de demissões.”

 

Entre 14 e 27 de abril, os funcionários da GM de São Caetano estarão em férias coletivas.

 

Ainda no ABC Paulista, a Volkswagen, de São Bernardo do Campo, se adiantou: entre 4 e 17 de março, 5 mil trabalhadores da linha de produção estiveram em férias coletivas. Os funcionários da linha de produção da Kombi também foram para casa em férias forçadas. Já em Taubaté (SP), a produção do up! Anda elevando o moral dos trabalhadores, que não percebem crise na unidade. Em São José dos Pinhais (na Grande Curitiba), o acordo de investimentos será cumprido, segundo informações da empresa. “Nesse período de transição, com paradas técnicas em função da baixa demanda de mercado, implementaremos diversas medidas de flexibilidade para administração do efetivo da fábrica, conforme acordo com o sindicato”, informou a companhia em comunicado oficial.

 

Na Fiat, em Betim (MG), ainda não há registros de férias coletivas ou paradas para ajuste de estoque.

 

Clima geral é de preocupação

Segundo os últimos números da Anfavea, as vendas de veículos caíram 2,1% no primeiro trimestre deste ano. Este já seria o primeiro efeito do retorno da cobrança do IPI sobre os veículos nacionais. 

 

Depois de dar férias coletivas de 10 de janeiro a 28 de fevereiro, a unidade de Taubaté da Ford abriu um PDV. Por ora, o vice-presidente Rogélio Golfarb não antevê demissões, mas elas não estão descartadas. “Vai depender de como a coisa vai ficar ao longo do ano”, diz.

 

“Temos de estar preparados, porque se for realmente uma crise se instalando no País, precisaremos de ferramentas para manter o pessoal empregado”, aponta Hernani Lobato, do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté. “O clima aqui é de preocupação mesmo. Eu quero acreditar que isso tudo que estamos vendo é só pressão das montadoras para cortar o IPI de novo”, desabafa. “A classe patronal vai sempre vender o pior dos mundos, por isso estamos fazendo o nosso estudo. Se for apenas pressão, melhor para todos nós.”

 

Pode até ser que seja, mas Luiz Moan, que preside a Anfavea, disse na última coletiva de imprensa da associação que as negociações com o Ministério da Fazenda sobre algum benefício fiscal não estão abertas.

 

Não é o que pensa Antonio Ferreira, o Macapá, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP). Na cidade, a fábrica da GM já colou o segundo turno inteiro de férias coletivas, totalizando 400 funcionários. No ano passado, a unidade já havia sido prejudicada pela demissão dos funcionários da linha do Classic, que deixou de ser fabricado no País. “As montadoras sempre pressionaram o governo e tiveram tudo o que quiseram”, diz. “Não dá para eles reclamarem de falta de isenção fiscal e de falta de apoio de Brasília.”

 

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Macapá já espera um 2014 de embates. “Estamos correndo para garantir a estabilidade do pessoal e a redução das jornadas sem prejuízo de salário”, adianta. Na última visita de Dilma Rousseff à cidade, o sindicato entregou a ela uma carta solicitando maior atenção à região. “Ainda estamos cobrando o retorno da isenção de US$ 13 bilhões em impostos.”

 

Caminhões enfrentam momento delicado

A partir de 17 de abril, a MAN Latin America, com fábrica em Resende (RJ), suspenderá o contrato de trabalho de 200 funcionários por cinco meses, para “evitar demissões”, nas palavras do comunicado oficial da empresa. Os funcionários ficarão em cursos de qualificação, recebendo recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e um complemento pago pela própria empresa, que deverá compor o valor integral do salário estabelecido em contrato.

 

Renato Ramos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Região Sul-Fluminense, não esconde a preocupação. “Estamos ansiosos. A indústria automotiva sempre dá os primeiros sinais de um efeito dominó da economia”, diz. “Não estou vendo nenhuma perspectiva a curto prazo e depois das eleições o cenário deve piorar.”

 

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Um aumento do desemprego da região já está nas contas do sindicato. “Onde tiver montadora vai ter aperto, não tem jeito. Acho que o desemprego em geral vai subir", analisa Renato Ramos.

 

Em Juiz de Fora (MG), os funcionários da Mercedes-Benz estão em férias coletivas desde março. Já em São Bernardo do Campo foi aberto um programa de demissão voluntária (PDV), que deverá tirar um “excedente” de 2 mil funcionários das fábricas. O PDV ficará aberto até julho, mas haverá vantagens a quem aderir antes. Em maio, um dos turnos será suspenso e a equipe da linha CKD, de exportação de veículos desmontados, entrará em férias coletivas. Procurada pelo iG, a Mercedes-Benz não disponibilizou porta-voz para comentar o assunto.

 

Na região do ABC Paulista, a Scania adotou paradas estratégicas em março e tem mais duas previstas para 22 de abril e 5 de maio. Serão usados os bancos de horas dos funcionários.

 

Na Ford, 900 funcionários da linha de caminhões estão parados desde 4 de abril e seguirão sem atividades até o dia 14. Rogelio Golfarb, vice-presidente da montadora, acredita que o ritmo pode ser recuperado. Mas as perdas geradas pelo atraso do Finame e pela entressafra não poderão ser recuperados. “Estamos com uma safra boa a caminho, então o ritmo pode voltar ao normal, mas não o suficiente para retomar as perdas do começo do ano.”

 

Argentina também tem culpa

No primeiro trimestre deste ano, as exportações de veículos despencaram 32,7%, com 75.049 unidades enviadas para o exterior – e a Argentina sempre foi um dos principais destinos nos carros nacionais. Tanto nos veículos de passeio quanto nos caminhões, o impacto da crise dos vizinhos tem sido grande.

 

A Peugeot, com fábrica na região Sul-Fluminense, é uma das principais vítimas da Argentina. Em fevereiro, um turno inteiro de metalúrgicos foi suspenso, para redução de 27,5% no volume de produção. Se a situação com a Argentina não melhorar, um segundo turno será suspenso e o terceiro também poderá ficar de folga, segundo Renato Ramos, presidente do sindicato.

 

O presidente da Anfavea, Luiz Moan, afirmou que “o pior já passou”, no que tange a relação entre os dois países. Por ora, um memorando de intenções reafirma a integração produtiva entre os países.

 

Preços de veículos podem cair

Pelas leis de mercado, excesso de oferta contra baixa demanda força um corte de preços. O consultor do mercado automotivo, André Beer, ainda não consegue precisar se há uma crise em formação, mas adianta que promoções e facilitações de crédito serão necessárias. “Talvez seja necessário até mais que isso”, diz.

 

Isso porque neste ano Beer não espera se quer número em linha com o de 2013 – tanto em produção quanto em vendas. No entanto, ao contrário do discurso do mercado, o especialista acredita que a baixa temperatura do ritmo de vendas está apoiada na alta restrição de credito – e não tanto no aumento de preços provocados pelo IPI mais alto. “O efeito do IPI é muito mais verbal que técnico. As pessoas se sentem mais motivadas a trocar de carro quando sabem que há uma desoneração acontecendo”, diz. “Não é pela diferença de preço, mas pela percepção de oportunidade.”

 

Não precisa ir longe. Na última semana, a Anfavea e a Caixa Econômica Federal anunciaram uma ação nacional para facilitar o crédito para compra de veículos . Desde ontem (dia 10) até o dia 13, concessionárias de todo o País poderão financiar veículos para clientes da Caixa em até 60 meses com 0,9% de juros ao mês. Cerca de 4 milhões de clientes já estão com crédito pré-aprovado.

 

Fonte: IG